domingo, 6 de fevereiro de 2011

A mulher de Istambul

                                      

                                                                                        Orlando Falcão

                                                                  Prémio "Fugas"  Jornal Público



A mulher de Istambul




Istambul, como se sabe, é uma cidade peculiar: a sua localização estratégica, dividida entre a Europa e a Ásia, separada pelo Estreito do Bósforo e banhada pelo Mar da Mármara, proporcionou-lhe uma História singular. Primeiro Bizâncio e depois Constantinopla, capital dos Impérios Bizantino e Otomano, acumula e preserva em si vestígios de um passado de riqueza, poder e conflitualidade únicos.
Ainda hoje, principalmente na zona antiga da cidade, onde se concentram muitos dos   monumentos mais significativos, somos tomados por essa sensação de peso da História e do tempo, se bem que muitas vezes ela se revele dissolvida no bulício mundano do turismo massificado e no consumismo exacerbado de locais como o Grande Bazar (nem por isso menos impressionante).
No entanto, ao entrarmos em qualquer uma das muitas mesquitas ou igrejas bizantinas da cidade, esse mundo febril que se agita no exterior dá lugar a uma paz e espiritualidade muito intensas. Descalços, ao transpormos a tela que protege a entrada, passamos de repente para um mundo de silêncio e recolhimento.
Esta fotografia foi feita no interior da mesquita Suleyiman.
Ao penetrar na zona restrita reservada às mulheres, senti que algo se suspendia no tempo: esta mulher poderia lá estar há muitos anos, fechada na leitura e meditação e fechada na sua condição de mulher muçulmana.
A que Deus rezaria? Com que fé? Certamente ao único Deus possível, não ao Deus em nome do qual hoje se trava o que chamam “conflito de religiões”.
A sua posição de concentração absoluta, de tal forma absorta nos seus pensamentos que não se apercebeu da minha presença próxima, a luz filtrada pela janela que a iluminava naquele final de tarde quente de Agosto, fazendo-a destacar-se da penumbra envolvente, no seu traje integralmente branco, fizeram-me lembrar um quadro de Vermeer.
Mas, acima de tudo, a serenidade que emanava desta mulher, fez-me pensar no absurdo que é o actual estado do Mundo.



Orlando Falcão

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