domingo, 18 de outubro de 2015

A Amiga Genial

                                                                                                                                                                                                                                                                                                             


                                      
A Amiga Genial de Elena Ferrante



25 de Novembro de 2015

18.30h

Biblioteca da EASR

A Boneca de Kokoschka



O MISTÉRIO DA NUMERAÇÃO DOS CAPÍTULOS


rascunho de um ensaio

por António nabais

  O romance A Boneca de Kokoschka faz parte do livro A Boneca de Kokoschka. No fundo, trata-se de um romance incrustado. Afonso Cruz leva o encaixe às últimas consequências, chegando a criar uma capa e uma contracapa no interior do livro, incluindo elementos paratextuais. A numeração de capítulos é um exclusivo do romance, estando ausento do resto do livro, onde os capítulos têm títulos que, de uma forma geral, são ecos/antecipações de frases que surgem no próprio capítulo.

  No verdadeiro romance, existe um único capítulo cujo número, 10946, é acompanhado por um (sub)título: “A cara de Deus é um espelho infinito”
  A numeração dos capítulos, embora seja crescente, não corresponde a números que se sucedam imediatamente uns aos outros. O mistério reside aqui: a que se deve esta numeração? Eis algumas hipóteses: 

- os números não têm importância, ao contrário das palavras e, portanto, basta numerar os capítulos aleatoriamente, desde que respeitando o princípio de que um capítulo tem de corresponder a um número superior ao anterior. De qualquer modo, seria interessante que um matemático analisasse a numeração dos capítulos

- o autor poderá ter pensado (ou escrito) todos os capítulos em falta, mas considerou que não valia a pena publicar a maior parte, tendo mantido a numeração original.
- o autor decidiu que deverá caber ao leitor escrever (ou imaginar) os capítulos em falta, o que, no fundo, acontece em todos os livros. Mais do que uma teoria da recepção, Afonso Cruz quer impor a prática da criação. Propõe-se que, num próximo livro, o autor deixe páginas em branco ou, no mínimo, um espaço em branco em que o leitor inscreverá o número do capítulo.

- o capítulo iniciado na página 227 pode conter algumas pistas que permitam interpretar a numeração dos capítulos, tendo em conta a referência ao baralho de cartas.

- todas as histórias são incompletas e, portanto, nenhum livro tem todos os capítulos que deveria ter. Por outro lado, há sempre acontecimentos que ficam por contar ou outros que poderiam ou  deveriam ter acontecido. E se João da Ega só tivesse sabido do parentesco de Carlos e de Maria Eduarda após o nascimento de um filho de ambos?

- no último capítulo do romance, há um parágrafo que poderá suscitar uma reflexão interessante: “Capítulo infinito: o último”. Poderá isto confirmar que todas as narrativas são abertas e todos os capítulos insuficientes?

- a propósito do último capítulo, é importante notar que o número (75025) é uma referência da Lego e corresponde a uma nave Jedi, o que alia o lúdico a valores essenciais e coloca Afonso Cruz do lado certo da Força. Pode, ainda, dar-se o caso de a nave ter sido uma prenda oferecida pelo autor a um filho ou a um sobrinho, o que deverá ser investigado pelos biógrafos.

- Afonso Cruz poderá ter enviado à editora todos os capítulos, mas terá sido informado de que não se conseguiria vender uma obra com tantos volumes. Também há a hipótese de que um vírus informático tenha provocado o desaparecimento da maior parte dos capítulos, podendo este ser o primeiro romance que nasce dos acasos da Informática.


- a tentativa de explicar a numeração desta obra faz parte da acção – já em curso – de um novo romance de Afonso Cruz em que as personagens, os membros de um clube de leitura da cidade do Porto, se juntam para debater A Boneca de Kokoschka. O autor já terá confessado a alguns amigos que não sabe que razões o levaram a escolher a numeração dos capítulos, mas que o diverte imenso que haja uma personagem a tentar explicar aquilo que ele próprio não sabe.








quinta-feira, 15 de outubro de 2015

A Boneca de Kokoschka


                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                              

A música em A Boneca de Kokoschka


alexandra azevedo

Conversaram sobre música porque ele era músico e, no final da noite, apaixonaram-se para sempre.(...) Ao fundo,  ouvia-se uma música de Django Reinhardt: Tears




Nunca serei um grande guitarrista, pensou Miro Korda a olhar para as mãos. São muito grandes e falta-me delicadeza. (...) Acabou a sua actuação com uma versão de Minor Swing.     A sua guitarra, cor de     mel, assentava muito bem com o fato escuro e às riscas que costumava usar.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                 





Ele teve um aneurisma e operaram-no. (...) Esqueceu-se de tudo. Tudo! Nem devia saber fazer um dó. Ele que era um músico genial. Teve de aprender a tocar guitarra outra vez. Do início. Ele é a prova de que a anamnese platónica é um facto. Reaprendeu a tocar ouvindo-se a si mesmo.(...) É por isso que eu gosto de Platão: aquela coisa de a nossa alma ter estado em contacto com as Ideias e que, ao chegar  aqui, à estação de Tercena, esquecemos tudo. (...) Tal como o Pat Martino. Nunca toquei com ele, mas gostava de lhe perguntar umas coisas.








_ Vou pôr o pato na caixa. (...)
O pato grasnava enquanto Korda, com as suas mãos muito grandes,  agarrava o corpo fininho da   japonesa. Na sua cabeça cantarolava: o pato vinha cantando alegremente, quém quém, quando um marreco sorridente pediu para entrar também no samba, no samba, no samba.





A Boneca de Kokoschka



Próxima sessão do CL:


15 de Outubro de 2015, 18.30 h  na Biblioteca da 

EASR





Tema em debate:

Afonso Cruz: um Louis Vouiton de chineses?




Outros temas de reflexão

  • O mistério da numeração dos capítulos
  • A música em A Boneca de  Kokoschka






terça-feira, 28 de abril de 2015

Domingos de Agosto- Patrick Modiano


Patrick Modiano


A próxima sessão do CL será a 5 de Maio, terça-feira ,pelas 18h, na biblioteca da EASR.
Obra em discussão: "Domingos de Agosto" de Patrick Modiano.



Temas de reflexão:
  • "je fuis donc je suis"
  • a escrita em andamento
  • a circularidade temporal
  •  Sylvia e o mistério da Cruz do Sul
  • "Domingos de Agosto", uma história de fantasmas
  • Jean, o fotógrafo

quarta-feira, 11 de março de 2015

A música n' Os Maias"

- Quanto ganha você' - exclamou Teles da Gama, assombrado.
Carlos não sabia. No fundo do chapéu já reluzia ouro. Teles contou, com o olho brilhante.
- Você ganha doze libras! - disse ele maravilhado e olhando Carlos com respeito.
Doze libras! Esta soma espalhou-se em redor, num rumor de espanto. Doze libras! Em baixo os amigos de Darque, agitando os chapéus, davam ainda hurras. Mas uma indiferença, um tédio lento, ia pesando outra vez, desconsoladoraamente. Os rapazes vinham-se deixar cair nas cadeiras, bocejando, com um ara exausto. A música, desanimada também, tocava coisas plangentes da «Norma»



quinta-feira, 5 de março de 2015

A música n' Os Maias"


De repente, fora, houve um rebuliço, e vozes sobressaltadas gritando: «Ordem!» Uma senhora, que atravessava com um pequenito, fugiu para dentro do bufete, enfiada. Um polícia passou, correndo.
Era uma desordem!
(...)
Carlos achou-se ao pé do marquês, que exclamava, pálido:
- Isto é incrível! Isto é incrível!
Carlos, pelo contrário, achava pitoresco.
- Qual pitoresco, homem! É uma vergonha, com todos esses estrangeiros!
 No entanto, a massa de gente dispersava, lentamente, obedecendo ao oficial da Guarda, um moço pequenino mas decidido, que, em bicos de pés, aconselhava para os lados, numa voz de orador, «cavalheirismo» e «prudência»... O jóquei de paletó alvadio afastou-se, apoiado ao braço de um amigo, coxeando, com o nariz a pingar sangue: e o comissário desceu para a pista, com um cortejo atrás, triunfante, sem colarinho, arranjando o chapéu achatado numa pasta. A música tocava a marcha do «Profeta», enquanto o desgraçado juiz das corridas, o Mendonça, encostado à tribuna real, com os braços caídos, aparvalhado, balbuciava num resto de assombro:
- Isto só a mim! Isto só a mim!



O »Profeta» é uma ópera em cinco actos de Giacomo Meyerbeer com libreto de Eugène Scribe que estreou em 1849, em Paris, tendo conhecido logo um enorme sucesso. À escolha de um excerto desta ópera não terá sido alheio o enredo, cheio de batalhas e grandes cenas de massas, cenas majestosas que representavam a luta por grandes ideais. Mais uma vez, o cinismo implacável de Eça a sublinhar a alma nacional que  quer ser  civilizada e cosmopolita, mas não passa de arruaceira e pífia, irremediavelmente provinciana, afinal.   

A música n' Os Maias"









Nesse momento alguns dos rapazes mais amadores, dos que traziam binóculos a tiracolo, apressaram o passo para a corda da pista. Dois cavalos passaram num galope sereno, quase juntos, sob as vergastadas estonteadas de dois jóqueis de grandes bigodes. Uma voz erguendo-se disse que tinha ganhado «Escocês». Outros afirmavam que fora «Júpiter». E no silêncio que se fez, de lassidão e desapontamento, ondeou mais viva no ar, lançada pelos flautins da banda, a valsa de «Madame Angot» 



A música n'"Os Maias"

Então o marquês que não o via desde o famoso ataque de intestinos, abandonou o dominó, correu a abraçá-lo ruidosamente- e sem o deixar sequer sentar, nem estender a mão aos outros, implorou-lhe logo uma das suas belas canções finlandesas, uma só, daquelas que lhe faziam tão bem à alma!...
- Só a «Balada», Steinbroken... Eu também não me poso demorar, que tenho aqui a partida à espera. Só a «Balada»!...
Vá, salta lá para dentro para o piano, Cruges...



A música n'"Os Maias"

Vestiu-se, foi a S. Carlos. (...)
Dava-se a «Lúcia» em benefício, com a segunda dama. Os Cohens não tinham vindo-nem o Ega. Muitos camarotes estavam desertos, em toda a tristeza do seu velho papel vermelho. A noite chuviscosa, com um bafo de sudoeste, parecia penetrar ali, derramando seu pesadume, a morna sensação da sua humidade. Nas cadeiras, vazias, hvia uma mulher solitária, vestida de cetim claro; Edgardo e Lúcia desafinavam; o gás dormia, e os arcosb das rabecas, sobre as cordas, pareciam ir adormecendo também
- Isto está lúgubre- disse Carlos ao amigo Cruges que ocupava o escuro da frisa.
Cruges, amodorrado num acesso de spleen, com o cotovelo sobre as costas da cadeira, os dedos por entre a cabeleira, todo ele embrulhado em crepes sobrepostos de melancolia, respondeu, como do fundo de um sepulcro:
- Pesadote.