sábado, 4 de fevereiro de 2017

O Fim da Aventura




E porque  

                                              VERBA VOLANT, SCRIPTA MANENT



são estes os temas a desenvolver:


O Fim da Aventura
Graham Greene

Temas de reflexão:

·      A “Arte de Comparar” em “O Fim da Aventura”

·      Graham Greene vs Maurice Bendrix

·      A arquitectura do romance

·      Graham Greene: o romancista católico, não o católico que escreve romances

·      Bendrix e Henry: “Éramos companheiros de viagem”

·      Richard Smythe: “a ofensa de ter nascido assim”

·      “O Fim da Aventura”: um memorial de ódio?

·      Sarah Miles: “uma prostituta e uma impostora?”


A Arquitectura do Romance

por Alexandra Azevedo



     A história de “O Fim da Aventura” começa em Fevereiro de 1946, nove meses depois do fim oficial da Segunda Guerra Mundial, mas o narrador tem o cuidado de esclarecer que Uma história não tem princípio ou fim: escolhemos arbitrariamente um momento da experiência, de onde olhar para trás ou para diante.(19) E o momento escolhido, uma  negra e chuvosa noite de Fevereiro (19) instaura, desde logo, o clima sombrio que irá envolver todo o romance. Aliás, o narrador apressa-se a informar o leitor de que este livro “é um memorial de ódio”, ódio a Sarah, sua ex-amante e a Henry, o marido desta e, mais do que tudo e ainda que não explícito, o inconfessável ódio a si próprio.
   Tendo escolhido “olhar para trás”, o narrador regride ao Verão de 1939, um desses Verões já condenados que precederam a guerra, mais precisamente, ao dia em que viu Sarah pela primeira vez e reparou nela porque ela era feliz e nesse tempo o sentido da felicidade ia desaparecendo na tormenta que se aproximava (42). As referências à guerra são sempre, no entanto, aparentemente casuais: desci cuidadosamente as escadas bombardeadas em 1944 e nunca reparadas (20), diz sobre o prédio em que mora, ou, num contraste dificilmente fortuito: aguardando o momento em que Sarah desceria os degraus sólidos que os bombardeamentos haviam poupado (34) Os próprios bombardeamentos apenas são referidos na medida em que interferem ou não com a sua aventura amorosa: “As bombas, entre os primeiros ataques diurnos e as V1 de 1944, mantiveram-se nos convenientes hábitos nocturnos”  (54) e nem o seu trabalho enquanto  romancista  foi perturbado: muito do trabalho do romancista se desenvolve no inconsciente; (…) A guerra não perturbou essas cavernas submarinas (55) De resto, é o próprio a afirmar: A  própria guerra nunca  me afectou (53)
   Mas, porque o romancista pode também escolher “olhar para diante”, o passado e o presente sobrepõem-se constantemente.
    E é assim que, logo no Livro Primeiro, acompanhamos, no presente da narrativa, as diligências do detective que Bendrix, o narrador/romancista, contrata para seguir Sarah e averiguar se ela tem um novo amante.
   O ciúme é, sem dúvida, o grande protagonista deste livro: o ciúme do marido de Sarah que o confidencia a Bendrix o ex-amante da mulher, obviamente sem saber da relação que ambos tinham mantido tempos antes; o ciúme de Bendrix não só  em relação ao marido, mas também relativamente à possibilidade de Sarah ter um novo amante;  e o ciúme que o mesmo Bendrix  experimentará face ao próprio Deus católico que Sarah tardiamente descobre e a quem se entrega. Aliás, é o próprio narrador a classificar o seu romance como “um extenso registo de ciumeira”:   Eu sou um ciumento – parece estúpido escrever isto, no que é, ao que julgo, um extenso registo de ciumeira (79)
     Muitas são, por isso, as referências que o narrador faz a esse sentimento que, mais do que tudo, o atormenta: Nada há de inferior no ciúme, senhor Bendrix. Sempre o saúdo como sinal de verdadeiro amor. (38) Impossível não ver, nestas palavras, uma tentativa de legitimação de um sentimento que o próprio intimamente considera indigno. Talvez por isso escolha para as pronunciar, uma personagem como o Sr. Savage, o dono da agência de detectives, na medida em que o intuito interesseiro de não perder um cliente, de imediato lhe retira credibilidade numa espécie de argumento de autoridade a contrario. Bendrix sabe que o ciúme não é um sinal de verdadeiro amor. O ciúme, ao que sempre supus, existe apenas quando há desejo (63) – afirma e O meu desejo era então muito mais afim do ódio que do amor (63) Na verdade, Bendrix sabe que é de si mesmo e, não de Sarah, que não está seguro_ bastava-me olhar para um espelho e logo via a dúvida com os traços de um rosto enrugado e uma perna coxa – eu, porquê? (72)
    Perdido entre raros  momentos de paz e confiança e numerosos momentos de ciúme infernal, o narrador tem consciência da permanente errância da narrativa: Se este livro não consegue desenvolver-se rigorosamente, é porque estou perdido numa região ignota, e não tenho mapa. (75)
     De facto, de narrativa de uma vulgar aventura extra-conjugal, o romance transforma-se numa reflexão sobre a transcendência numa perspectiva religiosa, a “região ignota” onde “sem mapa”, isto é, sem Fé, se sente perdido, uma região que fica num mundo religioso que não é o seu: a Bíblia (…) pertencia a outro mundo de ideias que não o meu – o mundo do amor. (181). Por isso,  é esta a única oração que consegue fazer -  Ó meu Deus (…) sinto-me por demais cansado e velho para aprender a amar, deixa-me em paz para sempre. (258) -  palavras com que termina o último dos cinco livros que compõem o romance. Como o Pentateuco.


8 de Fevereiro de 2017