segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

O Ministério da Felicidade Suprema

 O Ministério da Felicidade Suprema

Arundhati Roy





"Qualquer mulher na Índia que diz alguma coisa contra a ordem estabelecida sofre as consequências"


Verba volant, scripta manent

Temas de reflexão
  • Breve história da Índia a partir de 1947
  • Tilo e os homens que a amaram
  • Tilo e a mãe
  • Norman_"talvez a vida seja  (...): um ensaio para uma representação que nunca acaba por se materializar" (165)
  • A  Casa de Hóspedes Jannat
  • "Este é o meu filho Aftab (...) ensina-me a amá-lo" (21)
  • A maré cor de açafrão 
  • A imagem recorrente dos portões da escola com a pintura da enfermeira a dar a vacina da poliomielite a um bebé  
  • O velho gandhiano rechonchudo(113)
  • "O Elixir da Alma, que sobrevivera a guerras e ao nascimento sangrento de três novos países, foi, como a maior parte das coisas no mundo, vencido pela Coca-Cola" (23)
  • Sarmad _ Hazrat da Felicidade Suprema Santo dos Desconsolados e Consolo dos Indeterminados,  e Blasfemo entre Crentes e Crente entre Blasfemos



Tilo e os homens que a amaram 

por Manuela Pereira


Musa é o grande amor de Tilo. 
Musa ama Tilo mas também amou Arifa e a Menina Jebeen, sua filha e de Arifa.  
Tilo e Musa tinham sido durante algum tempo um estranho país… uma república insular, que declarara independência do resto do mundo. (377)  
Mas… Afinal, fora ela que o deixara. – pensara Tilo. (369) 
Musa pertencia agora a um povo que amava. (377) Lutava pela sua gente numa guerrilha audaz e suicida. 
Morriam aos milhares assassinados, e Arifa e a Menina Jabeen também encontraram a morte naquele vale sangrento. 
Mas Musa acreditava que, um dia, Caxemira fará com que a Índia se autodestrua. (452) 
Desde que ele partira, Tilo não voltara a ter “a sua gente”. (377)  
Mas havia uma ornamentação intrincada que unia os pesadelos de Musa aos seus. ((370) 

Musa escondia a memória do porquê, do como e do quanto amara Tilo… Tentava sempre devolver esse pensamento à secção fechada do arquivo de onde saíra. (371) 
Tinham 31 anos. 
Era assim, entre eles.  
Ele sabia que ela sabia que ele sabia que ela sabia. (371) 
Musa tinha o coração apertado, como um grilo. (373) Mas com Tilo ao seu lado Musa sentia-se como uma casa vazia cujas janelas e portas trancadas se entreabriam um pouco, para arejar os fantasmas presos no seu interior. (376) 
Só era possível Tilo e Musa terem uma estranha conversa sobre uma terceira pessoa amada, porque eram ao mesmo tempo namorados e ex-namorados, amantes e examantes, irmãos e ex-irmãos, colegas e ex-colegas. (386) 
Mas a história era tão difícil para ele de contar como para ela de ouvir – ou mais. ((377) 
Naga e Biplab também amaram Tilo. 
Naga vivia com o medo inconsciente de que Tilo estivesse apenas de passagem pela sua vida, como um camelo a atravessar o deserto. (248) Estava certo de que ela o deixaria, um dia.  
Biplab, que se construíra à volta dela…à volta da memória do seu amor por ela (163), estava consciente de que nunca teria nenhuma hipótese com Tilo. Havia um abismo que separava a sua vida da dela. 
Só foram libertados do encantamento pelo desaparecimento conclusivo e categórico de Tilo das suas vidas e do mundo que conheciam. (450) 
Naga, Nagaraj Hariharan – filho de um diplomata, o embaixador Shivashankar Hariharan; (201) exuberante, espirituoso, um pouco fanfarrão; (171) jornalista de massas honesto e íntegro, (243) mas que acabara por manter uma relação com os Serviços Secretos (176/197) –; Biplab Dasgupta (Garson Hobart) – filho de um cirurgião cardíaco, cujos pais brâmanes nunca aceitariam uma rapariga sem casta na família; (175) uma personalidade com tendência para a dependência, obstinado, com um forte sentimento de culpa e remorsos inúteis; Vice-Director de Delegação, Índia Bravo (código de rádio em Caxemira para os Serviços Secretos) (189), com poder para destituir do seu posto o Major Sahib (Amrik Singh), o que acabou por fazer –; Musa, Musa Yeswi – filho de um empreiteiro da construção civil que trabalhava de perto com os Serviços de Engenharia Militar, Showkat Yeswi (Godzilla, para Musa e para os amigos); dividido entre o dever filial e a sua ideologia; (348) um caxemirense sólido, fiável, uma rocha (ou assim o dava a entender) a viver na clandestinidade, um combatente fugitivo, escondido atrás das múltiplas personagens que interpretava –; e Tilottama S – com a tez escura dos povos do sul da Índia (café au lait, com muito pouco leite); (167) filha adoptiva da sua verdadeira mãe; que não usava maquilhagem e não fazia nada para melhorar a sua aparência; que usava um anel de prata largo na mão, no dedo do meio comprido e manchado de tinta (167) –, há trinta anos que continuavam a girar em volta uns dos outros de formas peculiares. (304) 
Havia uma floresta de sentimentos que os uniam aos três e a ela e, por fim, uns aos outros, (164) desde que se encontraram em Deli, 1984, nos ensaios de uma peça ‘Norman, is that you?’. 
Biplab e Naga estavam ambos a concluir o Mestrado em História na Universidade de Deli. (166) Musa e Tilo eram colegas na Faculdade de Arquitectura. (170)
O fascínio de Tilo era o mistério do seu passado, a liberdade da diferença – que dava a impressão de se ter escapado da sua trela (168) – a sua excentricidade, a ausência total do desejo de agradar, a sua permanência fugaz – dizia que queria ter a liberdade de morrer de forma irresponsável, sem aviso e sem razão (174).  
A  imprevisibilidade da sua loucura lúcida. 
E também a solidão inalcançável, a sua insularidade, a fragilidade num mundo que ruía à sua volta.  
A sua necessidade de protecção.  
Casou com Naga. Uma pessoa generosa diria que o fez porque precisava de abrigo. Uma visão menos generosa seria porque precisava de protecção. (233) 
Naga casou com Tilo porque nunca conseguiu realmente alcançá-la. (233)  
Quando o afastamento começou, Tilo gostava mais de Naga do que nunca. (248) 
Foi a GARSON  HOBART que Tilo lançou o seu grito de socorro, quando foi apanhada pelo lodo movediço de Amrik Singh, no Cinema Shiraz. (235)  
Foi Naga que a resgatou depois de Biplab Das-Goose-da lhe ligar à meia-noite. (234) E foi Biplab que a protegeu alugando-lhe o seu apartamento, quando Tilo quis sair da casa de Naga. Foi ele que tratou cuidadosamente todas as coisas que ela mais tarde lá deixou.   
Não compareceu no centro de reabilitação onde tinha marcado uma estadia para tentar acabar com o seu vício de abusar da bebida, porque depois de entrar no apartamento onde Tilo vivera se perdeu no tempo… Perdeu também o emprego e a família deixou-o e deixou de lhe falar. (158/447)  
Arrumar todos os papéis e fotografias,…analisar todo este estranho arquivo, passou a ser a sua vida. E há mais de um ano que não toca numa bebida.  
Musa morreria como sempre quisera, com as suas ‘Asal boot’ calçadas. (457) 
Tilo choraria profundamente a sua morte. 
… mas não se deixaria destruir pela dor, porque podia escrever-lhe regularmente e visitá-lo com frequência através da fresta da porta que os anjos feridos do cemitério lhe abriam (ilegalmente). (457) 
Na casa-barco Shaheen, num dos seus encontros furtivos, quando Musa se tinha mostrado feliz por ela ainda usar o anel de prata que lhe dera há tantos anos, Tilo respondera “Está preso. Não conseguiria tirá-lo, mesmo que quisesse.” 
Musa sorrira. 
Clube de Leitura, 30 Janeiro 2018                                                                   Manuela Pereira 

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