terça-feira, 10 de janeiro de 2017

O Natal no Clube de Leitura

Um conto de Natal

por Ana Teixeira

Os olhos verde erva da Vitória abriram-se muito à medida que o arroz – doce ia desaparecendo do prato e em seu lugar, aparecia um jardim de uma terra de um país onde não havia balas a atravessar o corpo das pessoas, uma terra onde as pessoas se amavam e dançavam ao som de uma música de fundo muito suave quase imperceptível.
Através dos seus olhos entrou no fundo do prato e emigrou para esse país, onde os pavões passeavam as suas longas e majestosas caudas por entre os leandros e buchos dos jardins. Esse país onde o céu era dum azul pleno, o azul dum mar profundo onde os barcos não se afundavam cheios de gente, de meninas como ela, de pais e de irmãos, como os que ela já não tinha.

Dos olhos da Vitória soltou-se uma lágrima. Vitória deixou de ouvir a história que aquela mulher tão bonita contava e começou a sentir a música tocada naquele jardim daquele país onde acabara de entrar. O jardim principiou então a animar-se. Uns meninos brincavam com bolas, outros faziam piruetas em cima de patins e deslizavam a uma velocidade por ela nunca vista, outros brincavam aos jogos iguais aos da sua aldeia natal e sempre, sempre com os pais a murmurarem baixinho que tivessem cuidado, com risos entrecortados entre eles!
De repente repara num banco desse jardim. Vitória estava lá, ao lado do seu irmão. “Vês Vitória como ainda podemos ser felizes?”Era o entardecer. O sol doirava os mil vidros das janelas das casas que circundavam o jardim. A música soava agora num crescendo constante. E Vitória teve medo. Apertou a mão do irmão e pediu: “ Não me deixes, tenho medo” e a sua voz era apenas um murmúrio. O rapaz sorriu e apertou-lhe a mão. “ Não vês que não é possível? Tenho que regressar. Os nossos pais esperam-me além, no mar”. “ Não vás ainda. Fica mais um pouco, por favor”.
Dos olhos verdesda Vitória soltou-se uma lágrima e lentamente a imagem do irmão começou a esbater-se, até desaparecer por completo. Vitória achou-se sozinha sentada no banco daquele jardim, naquele país tão distante onde as balas não entram!
“ Que se passa Vitória? Há dentro da tenda mais arroz-doce”. A bela senhora de colete azul arrancara-a ao seu enleio. Os outros meninos riam e já jogavam, naquele campo cheio de tendas, os jogos da terra que foi sua, quando as balas não sopravam por entre as casas e os bosques, do lugar que chamou de seu país.
Disfarçadamente limpou os olhos e sorriu: “ Tinha uma pestana no olho. Mas aceito mais arroz doce”.
A senhora trouxe-lhe outro pratinho. Vitória arrebatou-o das mãos e comeu o arroz todo num ápice. Sofregamente olhava para o fundo do prato à procura do país do seu sonho! Havia uma árvore e uma menina sentada, encostada ao seu tronco. Mas a menina estava irremediavelmente só.  


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