Clube
de leitura EASR 26/10/23
“Os
enamoramentos”
Javier
Marías”
Por M.Amélia L.V.Correia
“O perfil
moral de Díaz-Varela”
Antes de mais gostaria de pedir aos circunstantes, para
aceitarem como verídica, a narrativa de Díaz-Varela (D.V.), sobre as razões que
o levaram a urdir a trama que conduziu ao assassínio de Deverne.
Passarei a analisar o perfil moral de D V.
Usando as categorias Kanteanas de legalidade e
moralidade, é óbvio que se trata de um acto ilegal. Em qualquer Estado de
direito D.V. seria considerado culpado e sujeito a uma pena.
Kant não aceita a essencialidade do mal, isto é, não
considera que a maldade seja inerente à natureza humana, e, como iluminista,
define o homem como um ser que se caracteriza pela sua racionalidade. A razão
prática, detentora da lei moral, pode agir moralmente ou não.
Prosseguindo com este autor, o valor ético duma acção
situa-se na intencionalidade (moral deontológica). D.V. afirma ter agido
segundo o pedido do amigo para o livrar duma morte horrorosa. Mas esta acção
era do seu interesse, pois abria-lhe caminho para uma ligação com Luísa, que
desejava. Considerando que se sentiu no dever de ajudar o amigo, tinha
interesse na acção, o que para este filósofo feria completamente a
moralidade.
Mas mais, os imperativos categóricos de Kant afirmam:
“Age de modo que possas desejar que a máxima da tua acção se torne lei
universal” e ainda “trata sempre as pessoas como fins em si, nunca como meios”.
A conduta de D.V. foi, segundo estes princípios, imoral, sem apelo nem
agravo.
Apesar desta
condenação sumária, D.V. não parece ser um exemplar dum mal essencial ou
diabólico, não é um Drácula, um Macbeth, ou um Annibal Lecter
Considerando a Ética Kanteana, fundamental, mas demasiado
rigorosa, proponho uma outra abordagem.
Vou socorrer-me do conceito de “banalidade do mal” de
Hanna Arendt embora flexibilizado.
Este instrumento conceptual parece-me deveras útil, pois
pode funcionar fora do contexto em que a autora o concebeu.
D.V. não é um assassino burocrata, um criminoso de
escrivaninha como Eichmann, que serviu um regime totalitário. Pelo que nos é
dado saber comporta-se como um individuo normal na sua vida quotidiana, tal
como Eichmann, que era, ao que se sabe, bom marido e bom pai de família.
O comportamento de D.V .parece colocar-se de forma banal,
cega perante o mal. Tal conduta não
parece resultar duma psicopatia, ou duma maldade extrema. Parece, no entanto,
incapaz de se questionar, de exercer uma reflexão crítica sobre os seus atos, e
sobretudo de se colocar no lugar do outro. Acresce que se trata dum homem
inteligente, culto e até bastante sedutor, o que o torna potencialmente
perigoso, capaz de comportamentos profundamente condenáveis e até extremamente
cruéis, como nos foi dado conhecer.
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