Verba volant, scripta manent
A CASA E O MUNDO
A CASA E O MUNDO
por Alberto Teixeira
Tagore
representa, no seu livro, uma metáfora da Índia nas vésperas da independência.
Nikhil é um ocidentalizado pragmático. Percebe que a defesa do produto
nacional, que poderá ser uma excelente opção política, é economicamente
ruinosa. São dele as palavras “poderá a força prevalecer contra a vontade?”
Sandip teve idêntica formação académica a Nikhil, foram ambos colegas de
universidade. No entanto, não poderiam ser mais diferentes. Nikhil representa a
boa educação britânica, a correção, as boas maneiras; Sandip é Nietzche a falar
“ser justo é próprio de homens vulgares, aos grandes está reservado ser
injusto; a liberdade baseia-se na injustiça”. Sandip está para além do bem e do
mal “admitir um erro é o maior de todos os erros, é um exemplo típico de
fraqueza”.Bimala é a Índia perdida entre duas posturas diferentes, “quando, como
os rios, nos conservamos junto das nossas margens, nutrimos tudo quanto temos;
quando as galgamos, destruímos tudo o que somos”. Nada de mais profético!
Bimala vai oscilando entre um casamento que, não sendo opressivo, não lhe
coloca desafios e um potencial amante que a estimula. Hesita com cautela e
sempre sob a espada do arrependimento, “se na hora precisa de se embriagar com
qualquer coisa, que não seja com uma mulher”.
Nikhil e Bimala |
Nikhil é um
epicurista moderado e sensato, “é sem dúvida melhor encarar o mundo a rir do
que inundá-lo de lágrimas, pois é graças à primeira atitude que o mundo vai
andando”, mas também é um moderno face a Sandip que traz ao de cima tudo o que
há de mais primitivo no ser humano, “aqueles que vencem neste mundo criam a
verdade, não a respeitam cegamente; os que dominam não temem a mentira; os
grandes mentiras são os principais ingredientes dos imensos caldeirões onde
fervilham os programas políticos; o objetivo do homem não é a verdade e sim o
êxito; mil ou duas mil rupias teriam o ar de roubo mesquinho, cinquenta mil
manifestem-se de toda a amplitude do banditismo romântico”.
Sandip |
s |
Sandip é um amoral
que constrói o bem e o mal à sua medida que supõe ele está de acordo com a
causa, com os desejos de toda a Índia. Nikhil tem uma postura democrata, um
democrata liberal, “exercer a tirania para bem do país é tiranizar o país; a
liberdade sentida é a maior coisa que pode haver para o homem, nada se lhe pode
comparar, absolutamente nada; só quando chegamos ao ponto de deixar sair o
pássaro da gaiola compreendemos como ele nos liberta, a nós”. O altruísmo de Nikhil assenta na tradição
religiosa indiana, muito semelhante ao credo budista em certas posturas. O seu
Mestre, à boa maneira daqueles tutores dos príncipes da antiga Grécia, foi
sempre o seu guia espiritual e mentor, “só somos senhores de nós próprios
quando conseguimos expulsar os desejos do nosso espírito”. O não querer, não
desejar é uma postura budista que pretende evitar o sofrimento pela não ação.
Segundo esta doutrina o sofrimento é provocado pelo desejo frustrado, pelo
impedimento de alcançar o que foi ambicionado. Na verdade, Buda era um príncipe
que se despojou de tudo, cansado da riqueza. Foi um ato de coragem, mas não
mais do que isso. Seria muito diferente se um faminto não quisesse pensar em
comida para não sofrer e não ambicionasse um lauto jantar.
Entre os
dois Bimala vai hesitando e Amulya, seu fiel servo, desabafa pelos dois “aquilo
a que chamamos piedade é no fundo apenas piedade de nós próprios, antes
compaixão, não temos coragem para seguirmos os nossos instintos mais delicados
e por isso não atacamos”. Amulya não rouba nem Bimala chega a trair
verdadeiramente o marido, “porque será que quando mudamos, não mudamos
completamente?”. O medo da mudança! De passar definitivamente para o lado de
lá. Bimala é a Índia fascinada pelo desejo de se afirmar, mas muito amarrada ao
conforto Inglês, ao modo de vida dos Ingleses.
Quando
Sandip pergunta a Nikhil “será que aquilo que acontece é a própria verdade?” e
este lhe responde “que outra verdade poderá haver?” ficamos com um dualismo
ancestral nas mãos, o relativista e
construtivista Sandip versus um realista algo ortodoxo, Nikhil. Para o primeiro
a realidade é uma construção que se vai fazendo de acordo com as necessidades,
para o outro a realidade é o que é, o que se sente e vê acontecer.
Nikhil
estava destinado a um fim trágico como todos os que, durante uma tempestade,
agem como se nada estivesse a acontecer e continuam plautinamente com a sua
vida.
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