BIMALA
E NIKHIL
por Maria João leite de Castro
A relação entre Bimala e Nikhil, embora contextualizada na época e
no espaço, não é essencialmente diferente de uma relação amorosa em que a
mulher se subalterniza face ao homem e considera que essa subalternização é,
não só legítima e necessária, como também desejável.
Na verdade, embora Nikhil considerasse que marido e mulher são iguais no amor porque têm direitos iguais uns sobre os outros, Bimala, apesar de
reconhecer a grandeza do marido nessa afirmação, admite que, se Nikhil
aceitasse a sua adoração e veneração, ter-lhe-ia prestado um verdadeiro favor..
Penso que é neste aspecto que residem os maiores problemas que
vão, ao fim de nove anos de casamento e de suposta ilusão de felicidade,
ameaçar desmoronar toda a relação.
Tanto Nikhil como Bimala vivem contradições internas que espelham
as contradições existentes no país entre modernidade/autonomia e tradição/submissão.
Nikhil é, de facto, a personagem mais livre da narrativa. Ele
deseja também para Bimala essa autonomia e por isso não quer que ela fique
confinada à casa, ao zenana e ao purdah, mas que desabroche completamente em toda a sua verdade e força. E mesmo
quando reconhece que essa passagem do
mundo estreito para o vasto mundo é tempestuosa e pode correr o risco de a
perder, Nikhil aceita esse sofrimento em função daquilo que lhe parece justo.
Mas qual é verdade e a força de Bimala?
Ensinada desde criança a considerar a dedicação ao marido como a própria beleza, no seu aspecto interior é
natural que, confrontada com a “modernidade” de Nikhil, se sinta
simultaneamente orgulhosa e desencantada.
Esse desencantamento agudiza-se no encontro com Sandip, pois este
personifica o ideal de masculinidade que Bimala se habituou a idolatrar:
orgulhoso, intempestivo, agressivo, apaixonado, com um discurso hipnótico e
adulador.
A entrega apaixonada à Causa
é muito mais uma entrega a Sandip do que aos ideais que ambos afirmam
professar. E essa entrega, embora Bimala a descreva como um estado de embriaguez na qual não
reconhece o seu próprio “eu”, alterna com estados de lucidez em que se debate
com sentimentos contraditórios, em que põe em causa as suas avaliações, o
carácter de Sandip e Nikhil, os seus valores, etc.
Tal como Nikhil previa, Bimala atravessa tempestuosamente o
caminho entre a casa e o mundo. E regressa a casa com maior consciência dos
valores que pretende adoptar, das escolhas que deseja fazer…talvez a verdade de
Bimala lhe tenha permitido deixar de ser peão do destino, apesar de continuar a
ajoelhar perante os pés do marido, em sinal de reverência.
Talvez a sua força e verdade se revele nas últimas páginas
quando diz (…) Havia tão pouco tempo, ainda, que me preocupara a tentar decidir o que
levaria e como o acondicionaria! Mas agora parecia-me que não precisava de
levar nada. Partir era o importante.
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