Israel, décadas de 50, 60 e 70
por Conceição Rocha
O romance “Judas”decorre em 1959. A década de 50 é
determinante para a vida política de Israel, nomeadamente no que diz respeito à
delimitação (!) das suas fronteiras. No entanto, para entender as políticas
judaicas na Palestina é necessário conhecer alguma da história anterior, se
possível recuar até aos tempos bíblicos e ao Livro, repositório das representações
mentais do povo hebraico e ainda hoje fundamento de muitas das suas formas de
pensar e viver.
Uma pequeníssima abordagem histórica:
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Génesis: Jacob,
neto de Abraão, tem 12 filhos e, entretanto, inspirado por Deus, muda o seu
nome para Israel (etimologicamente, “aquele que governa inspirado por Deus”).
Esses 12 filhos deram origem a 12 tribos que viviam da pastorícia e da
agricultura. São judeus, pois vão buscar essa designação a Judá, o mais notável
dos 12 filhos de Jacob. Conheciam e usavam a escrita, o mais antigo testemunho
escrito data do 3º milénio A. C. Por volta do 1º milénio AC aparece o primeiro
documento em que figura o nome Israel.
· No fim do século 17 AC uma grande fome leva os judeus a emigrarem para o Egipto, onde vêm a ocupar os lugares cultural, artística e tecnicamente mais qualificados durante 400 anos. No fim destes, uma tentativa de tomada de poder mal sucedida faz com que sejam escravizados pelo faraó.
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Dirigidos por
Moisés, saem do Egipto e 40 anos depois instalam-se na península do Sinai
organizando-se em reino e conservando consigo as tábuas da Lei.
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Por volta do ano
1000 Salomão conquista Jerusalém e constrói-se o 1º templo, onde é guardada a
Arca da Aliança, que contém o decálogo e o candelabro portador do fogo sagrado.
Mais tarde Nabucodonosor destrói o templo, leva os tesouros para Babilónia e escraviza os judeus.
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Em 535, Ciro, rei
da Babilónia, autoriza o retorno dos judeus à Palestina. Constrói-se o 2º
templo, destruído pelos romanos em 70 DC.
Século XIX:
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O movimento
sionista, liderado pelo jornalista húngaro Theodor Herzl surge na sequência dos grandes progroms na
Europa de leste; postula o regresso (em hebraico, aliá) dos judeus à Terra Santa onde viviam já cerca de 25.000 procedentes
de várias diásporas. Começa logo uma grande aliá
a partir do Leste (Asquenaze) e, em 1880, a população judaica em Jerusalém
era já superior à otomana.
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Ao mesmo tempo,
Eliezer bem Yehuda (1858 - 1922) reforma a língua hebraica falada e escrita,
simplificando o hebraico bíblico e introduzindo os novos vocábulos. Muito ao
arrepio das comunidades ortodoxas asquenazes, a língua hebraica será
oficializada em vez do yiddish e será adoptada a pronúncia sefardita, com os
sons espanhóis que a caracterizam.
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A ideologia
sionista é profundamente influenciada pelo socialismo utópico (Saint Simon era
judeu). Chegados os sionistas à Palestina fundaram o partido trabalhista e a
maior parte dos kibutz que ainda hoje existem, com um sistema de partilha e
distribuição de trabalho no modelo dos falanstérios idealizados por Fourier.
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Após o fim da 1ª
guerra mundial cai o império otomano e a Palestina passa a ser administrada
pelos ingleses, que se comprometem, com a Declaração Balfour, a respeitar os
direitos adquiridos no território por judeus e árabes residentes. Não fizeram
nada do que prometeram.
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A partir de 1920
começa o conflito explícito entre ingleses, judeus e árabes: atentados,
guerrilha, emboscadas, contraguerrilha, foram cometidos sistematicamente pelas
3 partes.
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Quando termina a
2ª guerra mundial, a Inglaterra entrega a administração da Palestina à ONU.
Esta, divide o território em 2 partes, entregues respectivamente a judeus e a
árabes. A Liga Árabe não aceita essa resolução.
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14 de Maio de
1947: David ben Gurion assina a Declaração de independência do Estado de
Israel. Israel era até aí um “AM” – povo, tem um Heretz – território e passa a
ter também um Medinat – Estado.
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1949: 1ªs
eleições e ben Gurion é nomeado 1º ministro. Mandato até 1953. É um sionista
fervorosamente socialista, dirigente trabalhista, laico. Autoritário e com
dificuldade em lidar com as várias correntes do judaísmo, perde as eleições em
53, voltando a ganhá-las em 55 para um mandato que termina em 63.
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Sucede-lhe Levi
Eshkol, também socialista, que inicia relações diplomáticas com a Alemanha,
negoceia as indemnizações para as vítimas do holocausto e obtém da URSS
autorização para os judeus soviéticos emigrarem para Israel. Importante para a
negociação foi o facto de um prémio Nobel da Física e um campeão do mundo de
xadrez da época serem judeus e Levi Eshkol acordar que tais glórias não seriam
contabilizadas por Israel, mas pela URSS, onde nasceram os ditos emigrantes
notáveis.
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1967, com Levi
Eshkol: guerra dos 6 dias, vitória de Israel sobre a Síria e o Egipto liderada
por Moshe Dayan. Conquista do Sinai, Gaza, Cisjordâsnia e montes Golan.
Jerusalém é unificada e os judeus passam a ter acesso ao Muro das
Lamentações.
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1969 morre Levi
Eshkol e sucede-lhe Golda Meir, também socialista. Inicia-se o grande período
de realização de projectos agrícolas e de desdesertificação, dessalinização e
projecção de Israel como potência científica e tecnológica.
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1972: atentado de
Munique.
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1977: 1º ministro
passa a ser Yitzak Rabin, também socialista (assassinado em 1995).
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As eleições
seguintes são ganhas pela direita (1º ministro Menahen Begin) e, com curtos
períodos de intervalo, assim continua.
A personalidade de Shaltiel Abravanel só é entendível
no contexto do movimento sionista. Os fundadores do Movimento eram socialistas,
um pequeno número comunista teve grande importância no início do século XX, bem
como militantes do movimento anarquista. Dos que emigraram para Israel, tiveram
maior influência os socialistas, quer porque logo se organizaram em partido,
quer porque tiveram a capacidade prática de realizar tudo o que foi sendo
necessário para viver no território e governá-lo. Desde logo predominou a ideia
de independência, de formação de um estado judaico no território para o qual se
invocavam as referências bíblicas.
A utopia de Shaltiel Abravanel era outra, fundamentada
ideologicamente no anarquismo: o Estado é um estorvo resultante da afirmação da
burguesia como classe e do capitalismo como doutrina, especialmente quando há
que fazer coexistir dois ou mais povos de culturas, religiões, línguas e
costumes diferentes, que se devem respeitar para viverem juntos. Ele próprio
deu o exemplo, cultivando amizade com árabes e vivendo no seu meio. Discordou
violenta e publicamente de ben Gurion e dos dirigentes do partido socialista,
foi chamado profeta da desgraça quando futurou enormes e intermináveis conflitos
entre judeus e árabes, foi expulso do movimento sionista nos anos 50 e
ostracizado por toda a gente – judeus e árabes. Antes de morrer (na cozinha, a
tomar o café da manhã) destruiu todos os seus escritos e o seu nome, sem o
suporte dos textos e com a má vontade dos contemporâneos, foi sendo esquecido.
O paralelismo de Shaltiel Abravanel com Judas está na
ambiguidade deste relativamente à relação com Cristo (ambiguidade criada pela
tradição histórica), semelhante à ambiguidade daquele com o sionismo
(ambiguidade criada pelo stablishment judaico que não aceita a não
compartimentação do Estado, mesmo que seja necessário sacrificar os princípios
utópicos). Não é por acaso que Wald chama sonhador a Abravanel.
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