EASR – Clube de Leitura – Maio 2011
Bárbara
por Luz Rosmaninho
por Luz Rosmaninho
Ninguém quis ser bárbara. Nem mesmo Bárbara. Ou quando quis não foi e o desejo não ficou.
Babi não foi mais do que memória de uma juventude ficcional, idealizada, nessa Coimbra também ela cidade‐memória, “tempo‐espaço de unidade original do sonho, do amor, do desassossego das grandes questões abertas ao infinito”1.
Fui então à procura de Bárbara. Encontrei‐a no mito da juventude que aqui tem esse tempo e
esse espaço próprio – Coimbra. É aí que o autor constrói o mito da mulher amada – essa
Bárbara, lado B. A tua face. Relâmpagos, iluminações que trazem aparições. Relâmpagos que
vão e vêm, que iluminam pedaços de vida que fazem as vidas. Ou flashes de Luz na sua
fotografia. Mas é na ausência de luz que se fixam as revelações.
Daniel, na sua forma de ser tímido, precisa de viver e com Ângela vive; Bárbara entretece‐lhe a
vida dando‐o a Ângela, não inteiro, não ele, mas o que dele é possível ali estar.
Ângela e Bárbara são assim A/B, duas faces da mesma moeda. O presente passado e o passado
sempre presente. Uma só em duas – a heteronímia do amor, como referiu Isabel Pires de
...Nunca mais nos veremos? Perguntei com a estupidez de quando não há perguntas a
fazer. Mas ao mesmo tempo, por baixo da minha insensatez, eu sentia o impulso
absurdo de recuperar uma irrealidade perdida. Nunca mais?... E imprevistamente era
aí que eu repousava, na tua face, na imagem final do meu desassossego.
Na vida de Daniel o passado, tal como é evocado, não existiu nunca. O que, de resto, o próprio
escritor reconhece, publicamente, na Sala dos Capelos da Universidade de Coimbra:
O passado a que pudéssemos voltar como uma máquina do tempo seria a decepção do
presente que nunca foi e o imaginário nos transfigurou. Ora é esse imaginário que me
perdura da Coimbra que foi minha. Mas não tendo existido, configura o grande mito
que me existe da minha juventude [...] é esse mito que se me desdobra como diadema
do mais. O passado que se evoca nunca existiu para ninguém. Mas só o que não existe
é que é bastante para o excesso do homem.
Assim, o real da minha juventude é o transreal do seu encantamento e da eternidade
que lá mora, como nos meus livros pude registar.
“Alocução de Vergílio Ferreira. Doutoramento solene de Gladstone
Chaves de Melo e Vergílio Ferreira”, Biblos, 70, 1994, 508‐511
Sabem, certamente, que Santa Bárbara é a protectora das trovoadas. E recordo, também eu,
uma ladainha que em minha casa se dizia, memória de uma vida beirã.
1 Maria do Céu Fialho, Coimbra no Romance de Vergílio Ferreira, Boletim de Estudos Clássicos,pag.41
2 Na tua face by Vergílio Ferreira: “… Towards a New Natural Order of Being”,Isabel Pires de Lima (Porto University)
EASR – Clube de Leitura – Maio 2011
A Santa Bárbara, protectora das trovoadas.
Santa Bárbara bendita,
Que no céu está escrita,
Com papel e água benta,
Livrai-nos desta tormenta.
Onde vais Bárbara
Senhor, vou ao céu,
A livrar-me das trovoadas,
Que neles andam armados.
Pois Bárbara, bota-as,
Bota-as p´ra bem longe,
Onde não haja sinos a tocar,
Galos a cantar,
E meninos a chorar,
Mas haja uma serpente bem grande,
Que tenha 24 filhos,
E não tenha nada que lhes dar,
Só água de trovão,
E leite de maldição
Tradição da Beira Alta
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