Daniel
por Conceição Rocha
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Ângela amou-o imaginando-o como Lucrécio recitando o Poema |
O Daniel de Na tua face pareceu-me um jogador do jogo das escondidas, mas num espaço completamente claro. O que permite a escondida não são buracos, alçapões ou obstáculos físicos como aqueles que as crianças utilizam para se esconderem, mas ambiguidades, interpretações, labirintos mentais que D. vai percorrendo enquanto constrói e desconstrói uma narrativa sobre si mesmo, a sua família e a diáfana Bárbara, ponto de chegada e sujeito do desejo.
Daniel é um gato, um felino doméstico. Como este, move-se em relativo silêncio num espaço familiar ordenado, onde foi ter por uma escolha passiva, mas não destituída de aceitação. Aí participa com o envolvimento físico mínimo indispensável, mas com o olhar arguto, penetrante, que utiliza o real como pretexto para o sobrepor e envolver com inquietações, interrogações, efabulações que dão sentido a uma vida solitária, a única que D. é capaz de gerir com eficácia. Da solidão extrai o melhor dos sumos, e creio que isso só mesmo os gatos e os seus similares humanos o conseguem com sucesso: a ficção, o transportar os factos para o outro lado de si próprios, sem ter que mexer um só músculo nesse esforço, sem ter mais do que dar uns passos numa ou outra rua, casa ou praia. D., como gato que se preza, sabe exactamente o que quer: quer para si uma certa indefinição. Hesitar, não se decidir, implica que o outro nunca se aproprie de si pelo conhecimento, pela previsibilidade. D. atravessa a vida-romance, dramas e mesmo tragédias, num silêncio emocionalmente contido, só quebrado pelo pensar alto que é a escrita em primeira pessoa. Mesmo aí só se expõe o suficiente para que conheçamos factos através de pessoas – Ângela, a latinista cegueta, os filhos, encaixados nas suas específicas infelicidades e Bárbara, o motivo primordial de tudo. Perante eles, D. é um vai-vem de inclusão e fuga, sem precisar de se movimentar muito para além da sua não-pintura, da sua não-medicina, da sua não-paternidade, da sua não-maritalidade, da sua desejada, imensa Bárbara, totalmente ficcional mesmo que exista e que se imagine dentro dela o drama de uma maternidade desrealizada. Daniel é um homem simpático. Magro, não muito alto, cabelo e olhos castanhos, ligeiramente curvado, músculos fracos; mobilidade sempre furtiva, lenta mas eventualmente capaz de um bom salto, uma boa investida. Acende um ou outro cigarro como apoio ontológico, o seu vício é pensar, desejar com o pensamento. Veste calças de ganga e de bombazine, casacos de malha, cachecóis de vários enrolamentos no Inverno. Usa botas, ultimamente alterna com ténis confortáveis. Aceita sem comentários os presentes de roupa de Ângela, mas preferiria ser ele a comprar, mesmo que adquirir um par de calças demorasse um capítulo de desencontros e hesitações. As mãos têm dedos finos e sabem correr as páginas de um livro sem deixar marcas. Gosta de sushi e de um bom vinho tinto. Que uma ou outra vez acaba por beber sem moderação.
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Dani na Primeira comunhão |
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No primeiro charro conheceu Bárbara |
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Manifestando já sinais de inquietação | | | | | | | | | |
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Ao encontro de Bárbara, mas saiu Ângela |
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Maduro e sonhador |
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A desgraça bateu à porta | | | | | |
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Ângela |
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Recuperou |
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Bárbara: to be or not to be |
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