sábado, 4 de junho de 2011

Na Tua Face_ De Rerum Natura


De Rerum Natura

por António Nabais
De Rerum Natura, I, 1-9

Aeneadum genetrix, hominum divomque voluptas,
alma Venus, caeli subter labentia signa
quae mare navigerum, quae terras frugiferentis
concelebras, per te quoniam genus omne animantum
concipitur visitque exortum lumina solis:              
te, dea, te fugiunt venti, te nubila caeli
adventumque tuum, tibi suavis daedala tellus
summittit flores, tibi rident aequora ponti
placatumque nitet diffuso lumine caelum.                                                                  

Criadora dos romanos, volúpia dos homens e dos deuses,
alma Vénus, que, por baixo dos astros errantes do céu,
povoas o mar navegável e as terras frugíferas,
porque todos os animais são concebidos por ti
e graças a ti vêem a luz do sol nascente:
de ti, deusa, de ti fogem os ventos, de ti fogem as nuvens do céu,
quando chegas; a ti a suave terra engenhosa
te dá flores, para ti riem as águas do mar
e o céu plácido derrama uma luz benfazeja.


Lucrécio terá nascido entre os princípios do século I e morreu em 55 a. C. O poema De Rerum Natura teve como objectivo a divulgação das ideias epicuristas, uma corrente filosófica que mereceu a resistência e a crítica de Cícero, em particular, e dos romanos, em geral. Na realidade, as bases do epicurismo, ao contrário do estoicismo, eram contrárias à mentalidade romana, uma vez que conduziam ao utilitarismo e ao individualismo. Numa versão mais simplista, o epicurismo era visto como uma defesa do prazer puro e simples, versão que, aliás, se foi propagando até aos dias de hoje: esse excesso hedonista era contrário ao culto do mos maiorum, o conjunto de valores ancestrais que obrigava os verdadeiros romanos a dedicarem-se ao serviço público e a colocarem-se à disposição da pátria.

Ainda assim, Cícero, na sua busca pelo eclectismo, não deixou de elogiar a qualidade literária da obra de Lucrécio e há uma tradição que lhe atribui mesmo a qualidade de editor da obra, apesar de ser, como já vimos, um adversário do epicurismo. Nesta época, vivia-se um problema intelectual: como exprimir em Latim a filosofia grega? Coube a Cícero o papel principal nessa tarefa, tendo usado de vários meios, desde a carta ao diálogo filosófico.
Lucrécio optou pela poesia para exprimir as ideias de Epicuro, o que não constitui uma novidade na cultura ocidental, uma vez que, durante muito tempo, os filósofos eram também poetas. No entanto, Epicuro “tinha catalogado a poesia entre o número dos prazeres ilusórios que nos afastam da lucidez. Lucrécio justifica-se: sabendo que o pensamento de Epicuro é difícil, para não dizer austero, ele decide, por recurso à forma poética, torná-lo mais fácil de ler, tal como quando se unta de mel o rebordo de um copo que contém uma poção amarga de absinto.” Para além disso, o facto de ser uma glorificação da humanidade e da figura de Epicuro confere ao texto um tom épico, o que se confirma na escolha do hexâmetro dactílico (o metro da epopeia) e a divisão em cantos.
O poema abre com uma invocação a Vénus, alegoria do poder generativo da Natureza. De resto, e muito genericamente, os dois primeiros livros tratam dos átomos; o terceiro e o quarto da alma; o quinto e o sexto do mundo. Lucrécio segue de perto as ideias de Epicuro, sendo de destacar, em termos morais, a ideia de que o sábio só alcança a paz da alma (a ataraxia), se se libertar de toda a paixão, das prisões supérfluas, assim como dos terrores impostos pelas religiões. É de realçar o livro V, em que é apresentado um quadro da evolução humana, que contém já a ideia da selecção natural das espécies.

António Nabais











Sem comentários:

Enviar um comentário