De Rerum Natura
por António Nabais
De Rerum Natura, I, 1-9
Aeneadum genetrix, hominum divomque voluptas,
alma Venus, caeli subter labentia signa
quae mare navigerum, quae terras frugiferentis
concelebras, per te quoniam genus omne animantum
concipitur visitque exortum lumina solis:
te, dea, te fugiunt venti, te nubila caeli
adventumque tuum, tibi suavis daedala tellus
summittit flores, tibi rident aequora ponti
placatumque nitet diffuso lumine caelum.
alma Venus, caeli subter labentia signa
quae mare navigerum, quae terras frugiferentis
concelebras, per te quoniam genus omne animantum
concipitur visitque exortum lumina solis:
te, dea, te fugiunt venti, te nubila caeli
adventumque tuum, tibi suavis daedala tellus
summittit flores, tibi rident aequora ponti
placatumque nitet diffuso lumine caelum.
Criadora dos romanos, volúpia dos homens e dos deuses,
alma Vénus, que, por baixo dos astros errantes do céu,
povoas o mar navegável e as terras frugíferas,
porque todos os animais são concebidos por ti
e graças a ti vêem a luz do sol nascente:
de ti, deusa, de ti fogem os ventos, de ti fogem as nuvens do céu,
quando chegas; a ti a suave terra engenhosa
te dá flores, para ti riem as águas do mar
e o céu plácido derrama uma luz benfazeja.
Lucrécio terá nascido entre os princípios do século I e morreu em 55 a. C. O poema De Rerum Natura teve como objectivo a divulgação das ideias epicuristas, uma corrente filosófica que mereceu a resistência e a crítica de Cícero, em particular, e dos romanos, em geral. Na realidade, as bases do epicurismo, ao contrário do estoicismo, eram contrárias à mentalidade romana, uma vez que conduziam ao utilitarismo e ao individualismo. Numa versão mais simplista, o epicurismo era visto como uma defesa do prazer puro e simples, versão que, aliás, se foi propagando até aos dias de hoje: esse excesso hedonista era contrário ao culto do mos maiorum, o conjunto de valores ancestrais que obrigava os verdadeiros romanos a dedicarem-se ao serviço público e a colocarem-se à disposição da pátria.
Ainda assim, Cícero, na sua busca pelo eclectismo, não deixou de elogiar a qualidade literária da obra de Lucrécio e há uma tradição que lhe atribui mesmo a qualidade de editor da obra, apesar de ser, como já vimos, um adversário do epicurismo. Nesta época, vivia-se um problema intelectual: como exprimir em Latim a filosofia grega? Coube a Cícero o papel principal nessa tarefa, tendo usado de vários meios, desde a carta ao diálogo filosófico.
Lucrécio optou pela poesia para exprimir as ideias de Epicuro, o que não constitui uma novidade na cultura ocidental, uma vez que, durante muito tempo, os filósofos eram também poetas. No entanto, Epicuro “tinha catalogado a poesia entre o número dos prazeres ilusórios que nos afastam da lucidez. Lucrécio justifica-se: sabendo que o pensamento de Epicuro é difícil, para não dizer austero, ele decide, por recurso à forma poética, torná-lo mais fácil de ler, tal como quando se unta de mel o rebordo de um copo que contém uma poção amarga de absinto.” Para além disso, o facto de ser uma glorificação da humanidade e da figura de Epicuro confere ao texto um tom épico, o que se confirma na escolha do hexâmetro dactílico (o metro da epopeia) e a divisão em cantos.
O poema abre com uma invocação a Vénus, alegoria do poder generativo da Natureza. De resto, e muito genericamente, os dois primeiros livros tratam dos átomos; o terceiro e o quarto da alma; o quinto e o sexto do mundo. Lucrécio segue de perto as ideias de Epicuro, sendo de destacar, em termos morais, a ideia de que o sábio só alcança a paz da alma (a ataraxia), se se libertar de toda a paixão, das prisões supérfluas, assim como dos terrores impostos pelas religiões. É de realçar o livro V, em que é apresentado um quadro da evolução humana, que contém já a ideia da selecção natural das espécies.
António Nabais
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