LUC = Lucrécio?
por José Melo
Uma das figuras centrais do romance “Na Tua Face”, não porque “intervenha” demasiado na acção – em grande parte do desenvolvimento dela Luc entra e sai, aparece e desaparece, é sempre um pretexto, uma espécie de empecilho, um “havemos de falar”, “eu tenho de lhe dizer” – mas porque ele é o centro da tragédia que se enovela neste romance-problema. Trata-se duma sucessão de frustrações: a) amores não realizados ou apenas os possíveis – Ângela em vez de Bárbara/Babi; b) de filhos –Luz e Luc – tidos por atacado como meras “funções fisiológicas” (o ideal era serem gémeos, diz-se algures, para tudo ficar resolvido, como um dossiê que se fecha na vida); c) de um “artista” que nem é médico nem é artista, que anda “há séculos” a tentar pintar um quadro, coisa grande, diluviana, cheia de “conteúdo”, que tenta sair daquilo que considera ser a banalização dos “bonecos” para o jornal; d) de um marido que se sente intelectualmente diminuído perante a cultura clássica da esposa; e) de um ateísmo “estético” que chega a ser quase sacrílego, de muitos outros itens que fazem da vida quotidiana um sentido enfadonho de um qualquer Sísifo que transporta o seu rochedo como um fardo cheio de fealdade, de horror, de referências ao não-belo, mas que deixa entrever alguma graciosidade nostálgica por Coimbra, pelo mar, pela memória do passado, por alguns arquétipos do mundo rural, etc.
Luc é um herói trágico: morre jovem, porque decide livremente assumir o seu acto suicidário, quando paradoxalmente, tudo levaria a pensar que, em teoria, Luc seria igual a Lucrécio, o autor latino de “De rerum natura”, assemelhado a ele no facto possível do suicídio de ambos, mas distanciado no concernente a alguns aspectos da filosofia do Epicurismo: aqui Luc é tudo menos epicurista, quando aquele defendia como prazer supremo uma vida longa e uma racionalização dos prazeres, ainda que partilhando o lado enigmático da existência. Na Conferência de Ângela na reitoria que Luc partilha com a mãe, sem ir assistir, porque “já conhecia”, como confessou diante da irmã Luz que detestava a paixão da mãe por essa sua paixão adúltera –“andava então muito inquieto com o acne metafísico da sua juvenilidade” (cit. final da pg. 141), diz ela a certa altura: “Lucrécio é o grande profeta da nossa hora. O homem, disse ele, é um doente que ignora a causa do seu mal, mas ele não a ignorava e deu-lhe remédio. E o grande remédio era sobretudo entender que nada é para entender e o homem também.” (ver cit. seguinte, pg. 143). E mais à frente, há uma referência ao “único problema real do homem”: a MORTE (pg. 145) E para ela só há uma saída digna: o suicídio, ou seja, “o triunfo do homem sobre o destino” (pg. 145). Teses caras ao existencialismo de Heidegger ou de Sartre – “O homem é um ser para a morte”…Por isso, nada de ilusões, de paixões, de deuses…