“Romântico?
Deus me livre de o ser!”
por Alexandra Azevedo
No capítulo VIII de “Viagens na Minha Terra”, a propósito da
descrição da charneca ribatejana, o narrador afirma: “Eu amo a charneca. E
não sou romanesco. Romântico, Deus me livre de o ser - ao menos, o que na
algaravia de hoje se entende por essa palavra.”
De facto, Garret reconhece que muitos dos elementos
característicos do romantismo tinham caído já numa nova retórica tão artificial
quanto a do arcadismo que o romantismo se propusera substituir. Caricaturando,
explica ao leitor como se faz literatura romântica: “Todo o drama e todo o
romance precisa de: Uma ou duas damas, mais ou menos ingénuas. Um pai, nobre ou
ignóbil. Dois ou três filhos de dezanove a trinta anos. Um criado velho .Um
monstro, encarregado de fazer as maldades. Vários tratantes e algumas pessoas
capazes de intermédios e centros.” E, depois de mais algumas indicações
igualmente preciosas sobre a que românticos franceses deve um autor ir “recortar as figuras de que precisa” termina ironizando: “E aqui está como nós
fazemos a nossa literatura original”. (Cap. III)
Repare-se que a declaração formal de que não é romântico no
sentido negativo da palavra (“ao menos, o que na algaravia de hoje se entende
por essa palavra.”) decorre da afirmação anterior _ “Eu amo a charneca” e com
esta afirmação, confirma a sua condição de verdadeiro romântico. Porque é a
charneca ribatejana, bem portuguesa que ele ama e descreve. É uma descrição
ancorada na realidade vivida e sentida e não uma imitação oca e estéril de
obras alheias e consideradas como modelos a seguir, mas que, na verdade, nada
dizem à realidade da nossa cultura. Não
é o bosque druídico, que não temos, que descreve. O que o narrador poetiza é
a charneca do Ribatejo. É certo que essa
descrição obedece aos cânones românticos: a charneca é erma e selvagem e a descrição é feita à hora
romântica do pôr-do-sol, mas estes traços românticos assentam na sinceridade
dos sentimentos experienciados. Os românticos manifestavam uma acentuada
preferência pelos lugares solitários e não domesticados pelo homem pois, aí,
diziam, era mais fácil meditar nos grandes temas da humanidade (Deus, a
eternidade…) e, por outro lado, o fim do dia tem uma luminosidade que dá a tudo
contornos indefinidos e os românticos, ao contrário dos clássicos que amavam a
clareza da razão, preferem o vago e o indefinido do sentimento.
No entanto, o próprio autor não consegue fugir às
características românticas que deplora e satiriza para ir ao encontro do gosto
do público de então. A novela que introduz na narrativa digressiva é hoje, a
meu ver, a parte menos interessante da obra. As revelações trágicas, as mortes
das personagens, as vozes cavas, os vultos negros, não resistiram ao tempo e
surgem hoje como um dramalhão um pouco ridículo e totalmente dispensável.
O Garrett romântico, sincero, poético, esse continua a ler-se
com enorme agrado.
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