segunda-feira, 30 de novembro de 2020

A Promessa

Os Países Bálticos

 por Conceição Rocha



 Romain Gary – pseudónimo de Roman Kacew – nasceu em Vílnius, Lituânia, em 1914, numa família judia de origem russa. Emigrou com a mãe para a França, Nice, em 1928 e aí fez o fundamental da sua educação. Escritor notável e diplomata, recebeu o prémio Goncourt em 1956. Pôs fim à vida em 1980.
Sobre a Lituânia: O território lituano tem a sua origem (pré-medieval) em várias tribos designadas por bálticas como referência ao nome do mar que as avizinha. Há notícia de que tiveram contacto com o império romano, pois ficavam na rota do âmbar. No século XII a Lituânia constitui-se como nação (Litu quer dizer nação) e até ao século XVI esteve organizada em ducados que pagavam impostos aos príncipes das regiões ucranianas. Alguns dos territórios eram ocasionalmente tomados pela Polónia, depois retomados pela Lituânia, mas esta nunca perdeu a independência até ao século XVIII, quando é anexada pelo império russo, no tempo de Catarina. Restabelece a independência em 1918, mantendo conflitos territoriais com a Polónia até que em 1940 é anexada pela União Soviética graças ao pacto germano-soviético (Molotov – Ribbentrop). Com a derrota da Alemanha em 1945 é anexada à União Soviética, situação que termina com a Perestroika em 1991. Nesse ano é admitida nas Nações Unidas; em 2004 integra a NATO. Realiza, finalmente, o sonho do rei Mindaugas (do século XIII): a pertença de direito político e cultural da Lituânia à Europa.
As anexações soviéticas: • A designação “União Soviética” começa com a revolução de Outubro (Outubro, calendário Juliano, Novembro calendário Gregoriano) de 1917 – plena 1ª guerra, sob a liderança de Lenin, embora tenha sido só oficializada em 1922. Colapsa em 1991 com a dissolução do governo centralizado para as 15 repúblicas. • Entre 1917 e 1922 enormes perdas humanas ocorreram com a 1ª guerra mundial e com a guerra civil que se lhe seguiu entre “russos vermelhos”, pró revolução e “russos brancos”, seus opositores. Estes foram derrotados e o estado socialista organiza-se com um exército cada vez mais poderoso, que consome a maior parte dos recursos materiais, deixando o povo em enormes privações. • Entre 1918 e 1922 a Finlândia (excepto a região da Carélia), Letónia e Estónia tornam-se independentes, aproveitando o enfraquecimento soviético com a guerra civil. A Lituânia e partes da Bielorrússia e da Ucrânia são anexadas pela Polónia. • Entre 1927 e 1953, os países bálticos sofrem o terror de Stalin com os gulags, os assassínios em massa e as perseguições de opositores denunciados por uma teia de delatores e polícias políticas. • 23 de Agosto de 1939 (início da 2ª guerra), o pacto Molotov – Ribbentrop, isto é, o pacto nazi-soviético, divide o leste europeu: Finlândia, Estónia, Letónia e Lituânia para a União soviética e Polónia dividida entre as duas potências. Todos esses países, excepto a Finlândia, são obrigados a assinar a aceitação de tropas soviéticas nos seus territórios, estas muito mais numerosas e bem equipadas do que as nacionais. A lei Berya, soviética, legitima perseguições, prisões e assassínios. (É muito interessante ler o texto da lei Berya para verificar como se assemelha a textos que legitimaram as cruzadas e a inquisição, invocando “a verdade” e a necessidade de impor esta contra “o inimigo”). • Com a derrota da Alemanha em 1945 a U. S. acusa os países bálticos de colaboracionistas com os nazis e substitui os respectivos governos por outros da sua confiança. Estes, por sua vez, criaram parlamentos favoráveis que autorizaram a entrada das tropas soviéticas e reformularam os serviços administrativos, por forma a integrarem formalmente a União Soviética. Dezenas de milhar de opositores foram assassinados e na Ucrânia morreram à fome 10 milhões de pessoas, fome propositadamente provocada por decisão de Stalin. A operação Barbarossa em 27 – 28 de Junho de 1941 foi um massacre que ficou célebre. As ossadas de centenas de opositores políticos, intelectuais e artistas de vários graus de importância estão ainda hoje a ser exumadas e identificadas pelo ADN. 

Fontes de informação das quais tirei os dados para este brevíssimo resumo: .
 Wikipédia 
• www.bbc.com › culture ›

ROMAIN GARY

A PROMESSA

 

A última bola, existe ou não?


por Maria João Leite de Castro

 

Considerando a perspectiva de Romain Gary, penso que a resposta é não.

As expectativas que a mãe tinha em relação a  ele eram tão elevadas e condicionaram tanto a sua relação com o mundo e com os outros que, por mais que se esforçasse, nunca seria possível atingir essa última bola, exactamente porque ela não tem uma existência física, mas é do domínio do maravilhoso, do fantástico, do imaginário.

Desde pequeno, Gary ouve as histórias da mãe que, ao contrário das outras histórias que os miúdos normalmente ouvem, não falam da Branca de Neve, do Gato das Botas ou dos Sete Anões, mas dos deuses inimigos Totoche, Merzavka e Filoche. Estes deuses inimigos personificam muito da realidade humana, aquela que, por mais que se queira contrariar, aparece sempre em focos disseminados e transversais à história da humanidade. Combatê-los será possível, mas nunca derrotá-los de forma definitiva ou, no mínimo, duradoira. Ora, Romain Gary, tem esse objectivo inalcançável: quis disputar, aos deuses, absurdos e ébrios do seu poderio, a posse do mundo, e restituir a terra àqueles que a enchem da sua coragem e do seu amor. (pág. 16).


Dessa forma, lutar contra esses deuses inimigos é querer ultrapassar a condição humana que nos condiciona, impedindo-nos de atingir o que se perfila no horizonte e que será sempre inalcançável: Ficava muitas horas deitado no chão, com a cabeça sobre o paraquedas e tentava lutar contra o sentimento de frustração, contra o tumulto indignado do meu sangue, contra o desejo de ressuscitar, de vencer, de sair dali. Ainda hoje não sei muito bem o que entendia por «ali». A condição humana? (pag. 304).

Essa crença na vitória final, na superação da existência humana, individual e colectiva e na transformação do mundo, é simultaneamente motivo de angústia e o próprio R. Gary reconhece que essa esperança que «ultrapassa as limitações biológicas, intelectuais e físicas» é uma espécie de estupidez ou de ingenuidade elementar, primária, mas irresistível, que devo ter herdado da minha mãe e de que tenho plena consciência. (pág.205)

É nesse sentido que R. Gary diz aceitar e compreender muito bem os outros, aqueles que se recusaram a seguir o General de Gaulle, porque estes estavam demasiado instalados nisso a que chamavam a condição humana e que era apenas as suas vidas. (pag.234).

Na verdade, a glória desmedida que a mãe idealiza para Gary e os sacrifícios constantes que faz para concretizar esses sonhos, cria nele não só uma responsabilidade imensa, mas também o sentimento de que, tudo o que faça, fica aquém daquilo que foi idealizado. Esse poderoso amor que zelava constantemente por ele e que lhe dava muitas vezes o sentimento de invulnerabilidade, tornava-o também eternamente insatisfeito e levou-o a abordar a vida como uma obra de arte em constante elaboração, e cuja lógica escondida, mas imutável, era a da beleza. (pág.246). Como alcançar essa obra de arte, esse equilíbrio e harmonia, a obra perfeita, a «ultima bola», aquela que implica a superação de todas as limitações antropológicas?

Assim, apesar de ter conseguido realizar todos os desejos que a mãe vaticinara- era um escritor de mérito, recebera a Croix de La Libération, colocado no seu peito pelo próprio General de Gaulle e até vestia fatos com corte inglês – todos esses êxitos arrastavam consigo um sentimento de insuficiência, de insatisfação: falo com toda a sinceridade: nada vejo nos meus pobres esforços nada que tenha merecido uma tal distinção. Aquilo que fiz, que esbocei, é ridículo, inexistente, nulo, se o compararmos com o que a minha mãe esperava de mim, com o que ela me havia ensinado e contado acerca do meu país. (pag.307).

No final do livro, Romain Gary refere-se mais do que uma vez à sua queda.

Como interpretar essa queda? Para além da morte da mãe, o reconhecer de que não tinha chegado a tempo para lhe oferecer aquilo com que toda a vida ela sonhou, mais do que essa circunstância, sem dúvida avassaladora, a «queda» resulta do facto de reconhecer que a vida, afinal, era alheia à Arte, à Beleza e à Justiça. Essa obra prima na qual sempre acreditou, com a morte antecipada/injusta da mãe, desvaneceu-se e deixou um Vazio que nunca mais foi superado. No fundo, não valia a pena continuar a treinar: nunca conseguiria apanhar a última bola, porque ela não existia…

Hoje, que a queda se completou, sei que o talento da minha mãe me impeliu durante muito tempo a abordar a vida como um tema artístico e que eu me perdi ao querer ordená-lo em torno de um ser amado e de acordo com a regra de oiro. O desejo da obra prima, do domínio absoluto, da beleza, levava-me a erguer as minhas mãos impacientes contra uma matéria informe que nenhuma vontade humana poderia modelar, mas que possui o poder insidioso de nos destruir imperceptivelmente. Por cada tentativa que fazeis para lhe incutir a vossa marca, ela impõe-vos um pouco mais, uma forma trágica, grotesca, insignificante ou absurda (…)Em vez de brincar de acordo com as minhas possibilidades com 5, 6 ou 7 bolas, como todos os artistas que se prezam, matei-me ao pretender viver o que, na verdade, apenas pode ser cantado. A minha rota foi uma perseguição errante de qualquer coisa cuja arte me dava sede, mas cuja vida não me podia oferecer apaziguamento .Há muito tempo que já não me deixo enganar por essa inspiração e se continuo a pensar em transformar o mundo num jardim feliz, sei que não tanto pelo amor dos homens, como pelo amor dos jardins.(págs. 258/259).

Abordando a questão, já não sob a perspectiva de Romain Gary, poderíamos dizer que essa última bola existe, enquanto ideia em cada um de nós, por vezes tentando constituir-se num querer colectivo ao qual chamamos Utopia. Essa ideia de perfeição, de obra prima, de beleza e de justiça é, de alguma forma, algo que nos impele mas que não tem uma realidade objectiva, à maneira platónica de um Mundo das Ideias, mas que se vai constituindo subjectiva e historicamente levando a nossa marca eternamente humana e por isso, sujeita a regressões, a falhas, a injustiças e a deformações…

A ilusão de Romain Gary foi, a meu ver, acreditar como ele próprio diz, ingenuamente, que a Perfeição, a Beleza e a Justiça estavam ao alcance do seu desmesurado esforço…


Big Sur


por Tom Berning

 Below is a brief description of Big Sur and some of my impressions.  It has probably been nearly 40 years since I last visited/drove through Big Sur, but some things do not change.  I’m sure that my experiences still hold true.

 

Big Sur is a rugged coastal area of California  fronting to the Pacific Ocean located south of Carmel-by-the-Sea and north of San Simeon (Hearst Castle).  In order to visit Big Sur, a person MUST have a car.  Even with a car, this is a difficult area to visit because there is only one road – Highway 1. (To call this a highway may be misleading to visitors of the area.  This is a two lane paved road with infrequent areas to pass other cars).  Highway 1 is a coastal road, running north to south, perched immediately above the ocean.  To the west of the road is the ocean, to the east of the road are the California Coastal Mountains.  There are no material roads over the mountains – only forest service roads, as a result, visitors to the Big Sur area drive from the north or the south.  The distance where the road is isolated is approximately 200 kilometers and takes about 3.5 to 4 hours to drive if one does not stop, but of course everyone stops because the views are STUNNING.  In practice, if a driver wants to drive this route and not stay overnight at one of the retreats, they should allocate one full day to make the transit.  There are limited services on the road. Restaurants, fuel stations and rest stops are infrequent.  There are a few small towns along this area of Highway 1, but they are fairly isolated.  In addition to isolation, the road is frequently damaged by landslides during the winter rainy months.  Sometimes the slides are small and only close a lane of traffic, sometimes they damage the road substantially and close the road for months.  About 2-3 years ago there was a major landslide on Highway 1 which closed the road for over a year and caused the road to be re-engineered and re-routed permanently due to unstable soils.

 


Besides the beautiful scenery, Big Sur is the location for some of the most elite retreat centers in the United States due to their location, isolation and scenery.  The most famous of these retreat centers is called Esalen Institute.  Esalen has been in existence for about 50 years and offers visitors the ability to participate in a large variety of “workshops and programs each year devoted to cultivating deep change in self and society”.  Examples of topics available in their workshops are: Yoga, Relationship Communication, Transpersonal Psychology, Personal Reflection, Shamanism, Meditation, Massage and Spiritual Studies. It is common for people to visit Esalen for extended periods of time to do “self-work”.  There are a few other retreat centers in the Bis Sur area including New Camaldoli Hermitage (a Benedictine Hermitage) and Tassajara Hot Springs.  Besides the retreat centers, camping and hiking are popular activities in Big Sur. 

 

If a person finds themselves in this part of California, at minimum a drive through Big Sur is a requirement.  If time permits it is a wonderful place to stay for a few days.

 


 





A Promessa

 

As promessas são para cumprir


por Alexandra Azevedo

 

 

“A Promessa”, no original “La Promesse de l’Aube” é uma narrativa paradoxal como , aliás,   todas as autobiografias são pois,  ao contrário do diário íntimo, uma autobiografia é  simultaneamente retrospectiva quanto à voz e contemporânea quanto à perspectiva. Além disso, autodiegética por inerência à sua especificidade, a narrativa autobiográfica estabelece com o leitor um pacto tácito de sinceridade também ele paradoxal na medida em que  todo o autor autobiográfico é, simultaneamente, um actor  que desempenha o seu papel com o distanciamento que o desempenho de um papel teatral, inevitavelmente, exige.

É, assim,  da praia deserta de Big Sur, na Califórnia e  da perspectiva dos seus 44 anos que o narrador inicia a história da sua vida: “Ainda hoje, mais de vinte anos passados”; “hoje, que já vivi, ao cabo da minha corrida”...Mas mais do que a história da sua vida, é a história da  vida que a mãe sonhara para ele e que ele prometera a si próprio viver para não a desiludir que vai narrar. Tinha de ser um grande homem. Não havia como escapar a essa sina desde que percebera que se só ele é que comia bife era porque não havia dinheiro para mais e não porque a mãe só gostasse de legumes, como esta  afirmava.

Big Sur _ Califórnia 



E, na verdade, ser um grande homem é, à partida, a condição essencial para   escrever uma autobiografia porque

escrever e publicar a narrativa da sua própria vida não esteve sempre no horizonte de possibilidades de qualquer um. O género autobiográfico circunscrevia-se à auto-representação do homem de elite, branco e de algum modo notável. O estabelecimento das regras de género da autobiografia baseava-se nas obras de Rousseau ou Henry Adams e nessa linha inscrevia-se numa política de conservação de hierarquias de identidade em termos de classe social,  sexo e  raça que privilegiava a visão ocidental e androcêntrica  do mundo.

No entanto, apesar de ser  homem e de ser branco, o autor,  imigrante e de obscuras origens russa e judia, não deixava de ser percebido como o Outro, isto é, aquele que na ordem simbólica dominante, é visto negativamente. O romance foi publicado pelas Éditions Gallimard em 1960 e só cerca de uma  década e meia  mais tarde, com o advento do pós-modernismo e a correspondente compressão do tempo e do espaço, é que se assistiu à expansão do cânone da autobiografia  o que veio permitir àqueles  que na cultura ocidental são percebidos  através de uma marca simbólica negativa, representar-se a si próprios e fazer ouvir a sua própria voz. Deste modo, o sujeito autobiográfico não homem, não branco, não ocidentalizado, não famoso, não heterossexual passou a ter, sobretudo a partir da década de setenta, o direito a ver a sua autobiografia publicada e proliferou, então, a publicação de autobiografias de mulheres, de imigrantes, de lésbicas e de gays, tendo-se inclusivamente tornado objecto do  interesse de estudos académicos.

Por isso,  Romain Gary teve mesmo de inventar o seu nome pa

ra ser aceite no universo literário. Aliás, a questão da escolha do nome é narrada com muito humor pelo autor, pondo em relevo a perspicácia da mãe que sabia com uma certeza inabalável que um nome russo lhe seria um entrave intransponível.

“ _ Roland de Chantecler, Romain de Mysore…

_ É talvez preferível um nome sem partícula, pode ainda haver uma revolução_ dizia minha mãe”

Nina Borisovskaia, com o espírito de sobrevivência que a experiência pessoal lhe trouxera,  intuíra décadas antes   da falência, ainda não assumida, da generosa ideia da integração trazida pelo multiculturalismo primeiro e pelo interculturalismo depois, que a assimilação era o único modelo possível para o imigrante triunfar.  O seu filho seria, pois,  mais francês que qualquer um nascido em França no seio de uma família francesa tradicional.

“A minha mãe falava-me da França como outras mães falam da Branca de Neve ou do Gato das Botas e, apesar de todos os meus esforços, nunca pude desembaraçar-me inteiramente dessa imagem feérica duma França de heróis e de virtudes exemplares. Sou talvez um dos raros homens do mundo que se manteve fiel a um conto de fadas.” (42)

Embaixador da França, escritor famoso, (prémio Gocourt em 1956) o autor é, no entanto, uma personagem triste a desempenhar brilhantemente o papel de triunfador que a mãe lhe destinara, mas que parece não sentir como  verdadeiramente  seu. E, assim, há  uma melancolia constante a percorrer o romance, uma melancolia  que o humor, também permanente, não consegue esconder e, afinal, aquelas que conta como as grandes realizações da sua vida são pequenas grandes coisas como salvar um pássaro preso numa sala ou dar um pontapé a tempo num caçador que estava a visar uma gazela imóvel no meio da estrada.

  “E muitas vezes, como hoje, chego a sentir-me feliz, deitado na praia de Big Sur, ao crepúsculo cinzento e vaporoso, enquanto o grito longínquo das focas chega até mim e me basta erguer a cabeça para ver o oceano”