sexta-feira, 17 de março de 2017

O Fim da Aventura




Henry Graham Green (Berkhamster 1904 – Vevey, 1991)

por Conceição Rocha

·       Licenciado em História por Oxford, foi editor do Times, jornalista, repórter de viagens, crítico de cinema, espião do MI6 durante a 2ª guerra (profissão inspiradora de vários romances de espionagem), romancista.
·       De família tradicional anglicana, converte-se com 25 anos ao catolicismo, influenciado pela sua 1ª paixão – Vivien Cayrell-Brown, católica, com quem vem a casar em 1927. O casamento dura formalmente até 1948.

              Constam 5 mulheres na sua vida amorosa: 
Vivien Cayrell-Brown
        Yvone Cloetta

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Anita Byork




Catherine Walston


Dorothy Glover


                                                                                      



·       Além das 5 mulheres da sua vida, das quais Yvonne Cloetta será talvez a mais significativa, pois dela resulta a personagem Sarah, constam nas agendas de Grahm Green os nomes e endereços de 47 prostitutas.

·       Catherine era católica e casada, Yvonne também casada, não consta que católica, mas com algumas inquietações metafísicas que gostava de discutir. Viajou por Itália e viveu com GG em Vevey durante algum tempo. Foi no hotel em que ficou com Yvonne, em Capri, 1948,que  iniciou o “Fim da aventura”.

·       O tema religioso em GG é complexo até pelo modo como em entrevistas e apontamentos autobiográficos é abordado. No “Fim da aventura”, a religião católica surge para Maurice Bendrix/Grahm Green com um peso de incomodidade, aversão, concorrência desleal, até algum ódio pelo espaço e tempo que ocupa na vida de Sarah. Os temas recorrentes dos seus romances – a perseguição, a obsessão, o desejo de estar onde não se está, de se ter o que não se tem para, uma vez obtido passar a tédio – encontram-se agora numa personagem sem materialidade física, mas efectivamente presente: Deus. David Lodge escreve que “o Fim da Aventura” é um romance policial em que o culpado é divino”.

·       O desaparecimento de Sara Miles da vida de Maurice pode ter ocorrido por razões várias, todas possíveis, mas não prováveis: o desejo de liberdade perante um amante possessivo e desconfiado, o conforto da vida doméstica (a propósito, GG diz no seu diário que uma das coisas que o irritava em Yvonne Cloette era o facto de ela, após uma tarde de paixão clandestina, ir calmamente fazer o jantar para o marido, passando pela mercearia e planeando a ementa sem a menor contrariedade, provando que, de facto, as duas vidas afectivas cabiam sem conflito, pacificamente, no seu quotidiano); mas, a razão mais sofrida, mais plausível é a necessidade dos espaços pacificadores que a igreja oferece, mesmo com imagens horrendas e o contacto com alguém que tem no centro da sua vida o debate religioso. No fundo, a religião católica nos seus aspectos mais atávicos vai ajudando Sarah a lidar com as suas emoções, a sua instabilidade afectiva, as suas fugas, a sua culpa. O interlocutor-pregador da não razão religiosa, que ocasionalmente encontra e a quem logo aprisiona, vai introduzir na narrativa o contraditório, o debate sobre a verdade, a necessidade, a culpa, as problemáticas que acompanham o romance desde o início e subjazem aos comportamentos do par amoroso (e que estão a milhas das preocupações do marido Henry)
.
·       Maurice Bendrix/Grahm Green tem um enorme talento para se descrever enquanto sujeito de paixão, ciúme, desconfiança, animosidade elegante para com o “outro”, Henry Miles; é um interessante interlocutor do Parkis e dos seus inestimáveis serviços, mas não é convincente quando procura comunicar-nos que lucrou com a ausência de Sarah por 2 anos, evitando o tédio, o fim de toda a relação pela secura da fonte emocional. O regresso dramático e intenso a uma  realidade trágica prova que a obsessão, a paixão, são presentes. Aí, claramente, a religião ou os seus atavismos, ganha um papel de protagonista: Deus, como o inimigo que exige o sacrifício do amor torna-se uma arma de arremesso entre os que amaram Sarah. Mas fazem-no por Sarah e não pela convicção religiosa; pelo dever de serem eventualmente coerentes com a presença de Deus na vida dela e na sua morte.    
·       Concluindo, a religião para Grahm Green no “Fim da aventura” é um pouco como o brexit para os britânicos relativamente à Europa comunitária: está e não está, quando está, está a mais, quando não está, descobre-se que não pode deixar de estar, mesmo não estando. Valha-me Deus.      





          O Fim da aventura – Um memorial de ódio?


por Margarida Mouta




Nesta obra, todas as personagens são desvendadas pelo olhar alternadamente cínico ou céptico, nostálgico ou apaixonado do sujeito/narrador. Também o ódio, porque indissociavelmente ligado ao tom da escrita nos é sempre apresentado sob a perspectiva de Maurice Bendrix, esse amante inquieto, obcecado e obsessivo que eternamente desconfia da autenticidade do amor humano. “Quando principiei a escrever este livro, declarei que era uma história de ódio, mas não estou convencido. Talvez em mim o ódio seja tão deficiente como o amor.” Esta atitude, assumida na página 83, permite confirmar o que já sabíamos desde o início, que esta é uma escrita percorrida pelo ódio, mesmo se em alguns momentos, como aqui, o sentimento surja encarado como uma deficiência ou, como uma fatalidade, como já antes o admitira, ao lamentar “esse azedume” que lhe escorre da caneta: “Que triste coisa sem vida é este azedume! Se eu pudesse escreveria com amormas se eu soubesse escrever com amor, seria outro homem: e nunca o teria perdido” (p. 25). Será esse irremediável apego ao seu ódio que, mesmo se acompanhado pela inteligência, limitará Maurice à superfície daquilo que constitui o objeto da sua atenção. Será esse sentimento que o levará a ocultar a amargura e o sofrimento numa máscara de cepticismo.  
Sarah Miles, que conhecera durante o Blitz, em Londres, terminara subitamente e sem aviso a sua ligação amorosa com ele. Dois anos depois, louco de ciúme, Maurice contrata um detetive privado para a seguir, procurando descobrir se foi apenas um dos seus amantes e se Sarah estaria novamente a enganar o marido, Henry. Nesse momento, Sarah já se lhe escapara, deixando de ser sua. E é porque Sarah já não é sua nem nunca o voltará a ser, que Maurice, consumido pelo ódio, precisará de escrever a sua história, desabafar, redimir-se (ou redimi-la) de tudo o que não fez nem pôde fazer.

 O questionamento de Deus, da religião, da crença numa entidade superior que atravessa todo o romance e se torna inextricável da resolução do enigma formulado desde o início, está também ele ligado ao sentimento de ódio que consome Maurice, opondo-se à supremacia do amor que o cristianismo/catolicismo preconiza. A dicotomia amor-ódio, os extremos, a impossibilidade de amar sem também se odiar, a descrença são sempre equacionados em função de si próprio, do outro e de Deus. Porque para Maurice, o conflito não parece estar tanto em crer ou não crer na existência de Deus, mas em poder ou não perdoar a esse rival tirano e injusto a tremenda exigência do sacrifício que impõe a Sarah e que o atinge a ele. Maurice reage, combatendo até ao fim. Sarah, atraída por algo que a excede, entrega-se aos desígnios de uma crença redentora, mesmo se, num repente de desespero, admite desejá-lo como desejava antes, sentindo o anseio do “vulgar e corrupto amor humano” caminhando lado a lado com o desejo de desejar a dor que Deus lhe oferece. “Amei alguma vez Maurice tanto, antes de amar-te? Ou foi a Ti quem de facto amei todo esse tempo? “ – interroga-se ela no seu diário. Sarah reconhece a presença de Deus na relação amorosa, colhendo aquilo que ela percepciona como uma lição: “Tu estavas presente ensinando-nos a dissipar, como ensinaste ao homem rico, para que um dia nada restasse senão este amor por Ti.” Maurice permanece amarrado às suas convicções, enredado na sua “rede inextricável de acontecimentos”, como refere Jorge de Sena. 
Quanto a mim, o que me ficou das três vezes que li o livro, foi a sensação de um amor poderoso que ressalta apesar do combate sem tréguas que opõe Maurice a Deus, a Sarah, a si mesmo e que acaba por se sobrepor a todo o ciúme e a todo o ódio que se entretecem na estrutura de superfície do romance.
“Ao principiar a escrever a nossa história, pensava eu que seria um catálogo de ódios; não sei como, porém, o ódio perdeu-se pelo caminho…”. Como se a Graça, que Maurice recusa, tivesse desabado sobre as páginas do seu relato. Como se o fim da aventura fosse apenas o princípio ou tão-só a aceitação da única oração que parece contentar a tristeza do inverno: “Ó meu Deus, já fizeste bastante, já me roubaste bastante, sinto-me por demais cansado e velho para aprender a amar, deixa-me em paz para sempre








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