O Natal da
Fada do Lar
por Alexandra Azevedo
O Natal da Fada do Lar (daqui
em diante identificada por FdL) não é a 25 de Dezembro. Isso é para as pessoas
normais. E, obviamente, a FdL não é uma
pessoa normal. É…uma Fada! Logo não lhe chega um dia. Na melhor e mais optimista
das hipóteses é todo um mês.
Portanto, a vinte e tal de Novembro, já enfadada de ver árvores de Natal de
plástico em todas as lojas e centros comerciais da cidade, a FdL prepara-se
estoicamente para enfrentar a discussão ecológica anual com as pessoas verdes que a rodeiam (e
intimamente a consideram pouco menos que homicida), finda a qual estabelece que
a 1 de Dezembro se dirigirá, como habitualmente, à Circumbalação (ler com o
sotaque adequado) para enfrentar um não menos delicado assunto: a altura da
árvore! Aqui, a discussão pode tomar cambiantes inesperados. A começar pelo
pé-direito da sala! Ainda que seja altamente provável e até facilmente verificável
que este não tem o hábito de descer ou subir de uns anos para os outros, a cada
Dia da Restauração, seja ou não feriado, o mesmo diálogo se renova: _ Esta não.
É grande demais e eu não estou para serrar troncos nem galhos! - Grande?!
Grande?! Nem chega ao tecto e eu quero a Minha
Árvore de Natal a chegar ao tecto. A estrela tem de ficar encostada ao
tecto!_ Ah! No ano passado nem conseguiste pôr a estrela! _ Isso foi porque não
serraste o suficiente! Estavas de má vontade! Entretanto a vendedora observa
sem intervir. Só intervirá depois de perceber quem é que verdadeiramente decide da compra da árvore. _ Ó Sinhore!
Grande isto? Nem dois metros. É das mais piquenas que tenho aqui! E, astuta,
acrescenta: _ E está num bom preço! Este ano tudo parecia, portanto, bem encaminhado para a FdL quando uma inglesa
velha e cheia de sotaque, que saiu de um
carro trazendo a reboque o seu jovem
motorista, resolveu meter-se na conversa: Eu também não
gosto de árvores grandes! It’s a silly thing! Mas o meu marido quer sempre uma árvore até ao tecto e o pé-direito da
nossa sala é muito alto. E lançou um olho guloso à árvore da FdL. Valeu a
pronta intervenção da vendedora:_ Esta é para esta sinhora, minha sinhora. Já
está bendida! E confiante na política do acto consumado, começou a rebocar a
gigantesca árvore para o carro da FdL, dando instruções precisas sobre bancos e
bagageiras sem dar espaço a hesitações de última hora. Minutos mais tarde,
sentada no banco da frente com três galhos a furarem-lhe a nuca, a FdL pensava
consolada: A letra A já está!
Na ordem alfabética da lista de
tarefas de Natal de uma FdL, a seguir à letra A segue-se a letra P: presentes.
Primeira grande preocupação: não repetir presentes. Logo, o primeiro passo é
consultar a lista de presentes dos últimos anos para não voltar a ouvir _
Obrigada! Gosto muito! Mas já tenho uma
igual que me ofereceste há três anos!
Ser FdL exige, assim, toda uma
logística e o cumprimento rigoroso de
um Protocolo de Procedimentos sob pena
de perda do seu precioso estatuto de FdL.
As duas semanas seguintes são,
portanto, destinadas às “compras de
Natal” e a dar voltas à imaginação para encontrar o presente ideal para cada um.
Quanto ao seu próprio presente, a FdL há longos anos que decidiu dar sobre isso
explicações detalhadas ao Pai Natal,
farta que estava de receber leões em prata, numa primeira fase ou, em fase
posterior, romances de Lobo Antunes, autor que, desde Fado Alexandrino, se recusa a ler.
Assim chegada à terceira semana
de Dezembro, a FdL confronta-se com a terceira letra da sua peculiar ordem
alfabética, a letra B: o Bacalhau! E aqui as coisas começam a aquecer.
Congelado ou seco? A FdL é adepta fervorosa do primeiro, seguro e confiável
como é próprio de um peixe que dá pelo nome de Fiel Amigo, mas os puristas do
Natal, os tradicionalistas intransigentes, não abrem mão do bacalhau seco e são
capazes de mergulhar em discussões acesas sobre
qual o melhor local para nascer quando se é um bacalhau. Em regra ganham
os defensores da Noruega, aniquilando os seus opositores com… a cura amarela!
Deixando bem claro que não intervirá em coisas como “mudar a água ao bacalhau”,
a FdL, pode até abdicar das suas convicções e, ano sim ano não, cede aos
incompreensíveis caprichos dos
indefectíveis do “bacalhau como deve ser”.
E o Natal aproxima-se a passos
largos. É preciso pensar nos doces tradicionais, uns mais tradicionais que outros.
As letras do alfabeto começam a enlouquecer: volta o A, agora da aletria, volta o B , agora do bolo inglês,
surge o R das rabanadas, volta o P, agora
do pudim francês e a girândola de letras ganha velocidade na perseguição
à fruta cristalizada: o N, o C , o A, o P! As nozes, as cerejas, não esquecer
as passas! E a tia que não dispensa as amêndoas e o primo que pergunta sempre
pela abóbora cristalizada!
E enquanto sorri, sentada à mesa da
consoada, olhando por cima das velas e das rosas, a Fada do Lar pensa: E se eu falasse com a minha prima americana e me
passasse para o Clube das Fadas dos
Dentes?
29 de
Dezembro de 2016
Bom Ano Novo!
o
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