Verba volant, scripta manent
A
Verdade e a Ilusão_
por Manuela Pereira
“Nada
é mais fácil do que se iludir, pois todo o homem acredita que
aquilo que deseja seja também verdadeiro.”
Demóstenes, séc. IV a.C.
Nikhil, passivo e tolerante – que se refere a si próprio dizendo “Não sou chama, sou apenas um carvão negro, que se apagou. Não posso acender nenhuma luz.” (227) – e Sandip, vibrante e tempestuoso – que diz sobre a verdade “... sou carne. Sou paixão. Sou fome despudorada e cruel.” (60) têm visões do mundo que se opõem, diferentes ideais. Quando as suas Verdades se confrontam, dá-se o choque entre o novo e o velho, realismo e idealismo, Deus e Satã.
Como
explica o Mestre Chandranath Babu, Sandip está “...no anverso da
verdade, como a lua nova que não deixa de ser lua apesar de toda a
sua luz se encontrar do lado que não vemos.” (123)
e “A
atracção da mesma luz faz subir e descer a maré.” (203)
Bimala,
no centro do conflito, oscila entre as duas verdades. É atraída
pelo desejo agressivo de Sandip, ao ver “o fogo primevo da
Criação...”
(87) na
sua energia cósmica e libertadora.
Na
passagem de um a outro pólo, Bimala derruba barreiras, sai “de
casa para o mundo”. Transforma-se em outra mulher, consciente que,
diz “sómente um sacrifício pessoal me poderia ajudar a suportar o
tumulto da minha exaltação.”
A
sedução de Sandip inicia Bimala na verdade do shakti.
“Era shakti
e, também, uma personificação da alegria universal. Nada podia
acorrentar-me, nada era impossível para mim, tudo aquilo em que
tocava adquiria vida nova. O mundo que me cercava era uma nova
criação minha.” (112)
O
ponto de viragem para Bimala, provocado pelo roubo de 6000 rupias,
acontece com uma dimensão moral. “O peso do roubo rojou-me o
coração pelo pó.”
(168) ,
“Por tal pecado, a minha casa deixara de me pertencer e o meu país
também se afastara de mim.” (169)
Desfazia-se
a ilusão em que vivera “Perdi a capacidade de ver a verdade, os
meus olhos estão obscurecidos como os dos fumadores de ópio.”
(174)
e conclui “Há, com certeza, duas pessoas dentro de uma pessoa! Em
mim, uma delas compreendeu que Sandip tentava iludir-me, enquanto a
outra se sentiu feliz por se deixar iludir.” (173)
Disse
Anatole
France
“Sem se iludir, a humanidade pereceria de desespero e tédio.”
Sandip
atinge, também, um momento de confronto consigo próprio “Nos
últimos dias, tem-me atormentado um problema. (…) Serei um tronco
à deriva, destinado a chocar com todos os obstáculos que encontro
no caminho?” (91)“Vejo
agora , claramente, que certos elementos da minha natureza se
ergueram, num desafio franco, como obstáculos ao meu caminho.”
(93)
“O
homem, vivo como a Terra, também se encontra sempre envolto na névoa
de ideias que ele próprio exala...” (88)
“...não sou apenas o que quero, o que penso --- sou também o que
não amo, o que não desejo ser.” (88)
, “...tudo
quanto acabo de descrever é apenas a minha idéia e não eu,
completamente.” (89)
“Existe
uma discrepância entre a minha existência exterior e os seus
desígnios interiores, que me esforço por ocultar de mim próprio...”
(89/90)
“Esta doença de ideias que me
atormenta está a mudar a minha vida interior.”
(89)
Nikhil
também descobre, num momento, que vivera numa ilusão “O que
paguei à ilusão (…) tem agora de ser pago com juros à
Verdade...” (42) .
E, também num momento, liberta-se do “...que antes tivera o
mistério...” (27):
“De súbito o mundo
brilhou para mim, com uma claridade nova. (…) Descobri,
surpreendido, que o meu espírito estava liberto de toda a
nebulosidade...” (127).
“Saí do quarto, que me parecia
agora uma gaiola quebrada, para a claridade dourada do exterior.”
(127)
E pergunta, “«Minha mulher...» Equivalerá isto a um argumento,
equivalerá, sequer, à verdade? Poderá alguém aprisionar, nessas
duas palavra, toda uma personalidade?” (72)
… Verdade
e Ilusão ... Brahman e Maya ...
“
O que
é a Verdade? O que é a razão? Não é verdade que (...) o mundo é
uma espécie de sonho? Que Brama sonhou e continua a sonhar o
universo? Que tudo quanto vemos é visto por nós através dessa teia
de sonhos que se chama Maya. Maya (…) tudo quanto é ilusório,
batota, artifício e intrujice. Aparições, fantasmas, miragens,
prestidigitações, a forma aparente das coisas(...)
in
Os filhos da meia-noite, Salman
Rushdie (201)
Sandip
cria a ilusão da Verdade, o seu fascínio atrai uma turba de
seguidores. É um lider ardente e carismático.
Ao
usar a antiga religião e cultura indiana como base para os novos
objectivos do Movimento para a Independência, cria
nos seus seguidores um fervor inabalável pela causa.
“Sandip
veio como mensageiro de qualquer reino calamitoso, e enquanto
percorre a terra, murmurando encantamentos sacrílegos, atrai para si
todos os rapazes e todos os jovens.” (208)
A
ilusão, que promete a soberania do povo, que o liberta da soberania
de outros povos e terminaria com a riqueza e bem-estar de todos, é,
como a maioria das vezes, falsa e baseada na mentira. Levou ao caos e
à guerra civil o povo de Bengala.
Amulya,
um dos seus seguidores mais emotivo e apaixonado, é, também ele,
capaz de viver e morrer para alcançar os objectivos do movimento
Swadeshi e, individualmente, para alcançar o amor de Bimala – Mãe,
Deusa, Durgá .
(39)
A
semente do fanatismo desponta com a paixão, a idealização de
líderes e a adoração de indivíduos sedutores. Quando a Verdade se
impõe como superioridade moral (movimento Swadeshi e outros
movimentos nacionalistas emergentes na época), surge a urgência do
sacrifício – o sacrifício de dar a vida pelo bem de alguém,
pelo bem futuro.
Amulya
não teme morrer pela pátria nem matar por ela “Darei a minha vida
para cumprir qualquer dever de que me encarregar...”
(178)
“...como
o homem pode encontrar suprema ventura na total destruição.” ? (76)
Nikhil
compreendera o perigo que representava o Movimento Nacionalista, o
seu poder de destruição e de engano. “...amam mais a exaltação
do que a pátria.” (…) “...as suas chispas desconexas servem
apenas para lisonjear o vosso orgulho e não clarificam a vossa
visão.”
(44)
Sandip
e Amulya, em nome da Verdade e do Bem, não têm compaixão por quem
não pertence ao seu bando. Não têm simpatia pelo indivíduo,
“...não são capazes de amar os homens só porque são homens...”.
(44)
A
ilusão num sistema político é um perigo maior do que a falta de
participação. Quem se ilude com promessas participa activamente na
defesa de interesses por vezes duvidosos, pois para eles só existe
uma verdade, um certo e um errado.
“Começo
a suspeitar que existiu sempre em mim uma tendência para a tirania.”
(…) “Os homens como eu, possuídos
por uma ideia, conseguem entender-se com aqueles que são capazes de
concordar com eles, mas os que não concordam têm que os enganar. É
a nossa inflexível obstinação que conduz, até os mais simples, a
caminhos tortuosos.” (231)“Exercer
tirania para bem do país é tiranizar o país, mas receio que nunca
sejas capaz de compreender isso.”
(126)
diz
Nikhil a Sandip.
“A
verdade absoluta só pode conceber-se mediante a integração
absoluta do indivíduo na sua infinita totalidade.” (…) “A
poesia reflecte pedaços de uma verdade espantosa e gigantesca, mas
nunca inteiramente revelada, pois sempre permanece envolta numa bruma
de mistério.”
Rabindranath Tagre,
in
Diálogo com Einstein que teve lugar em 1930
Manuela
Pereira, Clube de Leitura_ 3 Fevereiro 2016
Bimala, metáfora da Índia
por Alexandra Azevedo
Clube de Leitura da EASR
3 de Fevereiro de 2016
Quantas vezes lhe disse que, se nunca
a tivesse visto, nunca teria conhecido o meu país como uma unidade?
|
Bimala, a personagem feminina central
da obra, é, tal como a Índia, o
território em que se confrontam duas forças distintas, metaforicamente
encarnadas por duas personagens masculinas, Nikhil e Sandip.
Nikhil, o marido, é um Marajá, senhor de
vastos domínios. É a Índia tradicional que, serenamente e sem contestar
abertamente as tradições, fomenta uma evolução no sentido da modernidade,
incorporando ideias novas e costumes novos, abandonando lentamente usos
arcaicos e obsoletos, mas conservando
intactos os verdadeiros e valiosos valores da Índia e a sua espiritualidade.
A diignidade da casa do meu sogro era muito
antiga, vinha do tempo dos paxás. Alguns dos seus usos, herdara-os dos Mongóis
e dos Patanes, certos dos seus costumes provinham de Manu e Paraxar. Mas o meu
marido era absolutamente moderno, fora o primeiro da família a frequentar a
universidade e a licenciar-se. O seu irmão mais velho morrera novo, vitimado
pela bebida, e não deixara descendentes. O meu marido não bebia nem se dava a
vícios. A sua abstinência era tão estranha à família que a muitos dos seus
membros quase nem parecia decente! Na opinião deles, a pureza só ficava bem
àqueles a quem a fortuna não sorrira. É na Lua que há manchas, não nas
estrelas.(15)
Assim, Nikhil, sem se importar com o veneno bolsado pelas más línguas de casa e do
exterior, promove a
educação ocidental de Bimala, contratando Miss Gilby, uma professora inglesa. Nikhil
quer que Bimala se emancipe, saia do purdah, se abra ao mundo exterior, conheça mais do
que os muros que confinam o espaço da sua casa Mas para
que quero eu o mundo exterior?
A Índia de Ranis e Marajás vive, com efeito, como Bimala, na
ilusão de que a casa de luxo que conhece é
o mundo inteiro, o mundo suficiente. Deliberadamente, ignora a realidade
do mundo exterior e tal como a viúva do irmão de Nikhil finge desprezo pela ideias modernas.
Mas o contacto com a modernidade,
ainda que mitigado, não é inofensivo e, passo a passo, os antigos costumes como
a veneração que a mulher deveria votar ao marido, começam a parecer a Bimala, absurdos
ou retrógrados. Era a sua rainha e ocupava o meu lugar a seu
lado, mas a minha verdadeira alegria provinha de saber que o meu verdadeiro
lugar era a seus pés. Depois, porém, instruíram-me, deram-me a conhecer a idade moderna e a sua
linguagem própria, de tal modo que estas palavras parecem corar de vergonha, na
prosa em que as inscrevo.
Os próprios objectos indianos perdem
a antiga dignidade O meu marido tinha na escrivaninha um vulgar
vaso de latão que lhe servia de jarra de flores. Muitas vezes, ao ter
conhecimento da visita de alguns europeus, ia sorrateiramente ao seu gabinete e
substituía o vaso de latão por uma jarra de cristal, de fabrico europeu. (109)
Um
sentimento de inferioridade face aos europeus, que, aliás, não existe em Nikhil, torna-se evidente O meu marido costumava rir-se dos meus protestos--Por que consentes que
tais ninharias te transtornem? – Julgarão que somos bárbaros ou, pelo menos,
que nos falta requinte. – Se julgarem, pagar-lhes-ei na mesma moeda, pensando
que o seu requinte não penetra para além da sua pele branca. (109)
Porém, Bimala tal como a Índia, é um ser estuante da energia da vida que não pode satisfazer--se com este
estado de coisas e a reacção surge sob a forma de um movimento nacionalista que
rapidamente alastra e assume contornos extremos.
Essa Índia materialista e falsamente
patriótica é encarnada na figura de Sandip. Sandip Babu torna-se para Bimala o
Príncipe Encantador dos contos de fadas com que
sonhava em criança. Como este, também ele tinha um rosto esplendidamente belo e, no
entanto, ela notara
nas suas feições um não-sei-quê de que não gostava. (29) Mas o sopro encantatório é muito
forte e todos sucumbem ao seu discurso triunfal. Sandip Babu conhece o poder que tem e sem nenhum instrumento, nenhuma arma, apenas o engano da sugestão irresistível
(145), atreve-se a desafiar os ensinamentos
das escrituras hindus e a afirmar que em vez da Verdade será a Ilusão a
triunfar. Quem disse «A Verdade triunfará?» Quem
triunfará no fim será a Ilusão (145)
A Índia é, assim, uma mulher que lhe cai aos pés totalmente
rendida. Bimala deslizou da cadeira e caiu a meus pés
que abraçou e depois soluçou como se nunca mais fosse parar (145), uma mulher que já não se contenta com
o Swadeshi monótono e aguado (109) de Nikhil e
quer ser arrebatada para um futuro novo, por que
estrada ou para que meta, não lhe importa. (108).
No seu arrebatamento, Bimala ignora,
deliberadamente, os perigos futuros desse caminho. Vi,
nesse futuro, a minha pátria, mulher como eu, imóvel e na expectativa. Foi
arrancada do seu canto no lar pelo chamamento súbito de um Desconhecido, não
teve tempo para reflectir nem para acender um archote que a guiasse enquanto
corria e mergulhava impetuosamente na escuridão. (107)
Mas os perigos são reais e o
arrependimento virá porque a linha do tempo tem um único sentido e nem Deus tem o poder de o reverter. Deus tem o poder de criar coisas novas, mas terá também o poder de
criar de novo o que foi destruído? (217)
Nilhil e Sandip desejam ambos o amor de Bimala e por
ele lutam com meios diferentes e por
diferentes caminhos. Travam, afinal, uma mesma batalha por caminhos diferentes,
um respeitando os valores tradicionais e o outro negando-os e a nenhum cabe a vitória, pois na ânsia de transpor os muros da casa antiga e fazer parte do mundo novo das nações fortes, esquecendo os seus
valores culturais e espirituais, a Índia foi seriamente atingida. Mortalmente? Não
se sabe. Vi chegar um palanquim,
seguido por uma padiola. O médico vinha ao lado do palanquim. – Que pensa ,
doutor?- perguntou o dewan.- Ainda não sei. O ferimento da cabeça é grave.
(237).
Rabindranath
Tagore
O Movimento Swadeshi
por Conceição Rocha
No século XIX,
sobretudo na segunda metade, crescem com grande expressão política os
movimentos nacionalistas. Todos eles decorrem de situações de colonização ou
anexação, seja na Europa (Noruega, Islândia, países do Báltico, por exemplo),
seja no Oriente, na África ou na América latina (este desencadeado não por
nativos, mas por descendentes dos colonizadores). A Índia, a “joia da coroa
inglesa”, representa um caso muito especial, quer por ser o que nos interessa
aqui, quer porque se trata de uma cultura multimilenar, complexa,
requintadíssima, com expressão muito forte nos modos de pensar e viver das
populações, particularmente das ilustradas.
Todas as
colonizações têm as suas peculiaridades. Na Índia, a Inglaterra, ao mesmo tempo
que exercia forte repressão sobre as populações, proporcionava aos grupos
sociais mais ricos e educados o acesso à cultura ocidental: estudos
universitários em Oxford e Cambridge, na Índia escolas formatadas ao estilo
inglês, o cricket, etc. A colónia culta assimilou esses bens, compatibilizou-os
com os seus próprios, mas como ocorre sempre em situações de subordinação,
permaneceu a vontade de independência política. Muita desta vontade cresceu
também com expressões culturais próprias.
Assim, e de um
modo extremamente resumido:
Os
Upanishads, textos filosóficos cuja origem se perde no tempo e que contêm as
bases do Induísmo, contêm muitos dos princípios que vão ser essenciais para
entender a batalha pró independência, quer a informada pelo pensamento Swadeshi,
quer pelo seu contrário. A “Casa e o mundo” representa justamente esse conflito com
expressão na própria luta (entre nacionalismo agressivo, representado por
Sandip e nacionalismo cosmopolita, representado por Nikhil, alter ego de
Rabindranath Tagore).
Swadeshi,
em Hindi, quer dizer autossuficiência. Swa, em sânscrito é “eu”, “eu próprio”,
Desh, “terra”, no sentido de terra natal, pátria. O 1º movimento Swadeshi surge
em 1850, lançado pelo líder político Dadabaj
Naoroj. O 2º começa em Bengala, em 1905, desde logo com enorme adesão, na época
do vice-rei lord Curzon. Dura até 1911. Bengala, que foi o nervo do
nacionalismo indiano, foi também o berço das correspondentes repressões
militares no período vitoriano. O
cântico Vandemataram foi composto nessa época e algumas das suas estrofes ou alguns
versos são sempre recitados/cantados pelos Swadeshi, como cumprimento entre
pares ou como grito de revolta em situações limite.
O que tem de peculiar o
movimento Swadeshi é o facto de considerar ser o caminho mais radical para a
independência a rejeição de produtos oriundos ou fabricados no estrangeiro.
Fomentar a produção nacional e empobrecer os de fora fortaleceria a economia
indiana e enfraqueceria os outros. Daí, o movimento se tornar repressivo à medida
que conquista adeptos, maltratando artesão e comerciantes que laboravam com
matérias primas importadas, gerando empobrecimento e conflitos privados e
públicos com pessoas que exibissem produtos não nacionais. Ficaram na memória verdadeiras guerras campais
ocasionadas por swadeshis em mercados urbanos e outros locais públicos. Apesar
de penalizar economicamente muitos pequenos artesãos e comerciantes, o
movimento Swadeshi mobilizou grandes contingentes populares, iniciou a luta
armada contra o colonizador e mesmo algumas formas de guerrilha e atentado.
Culturalmente, a importância do movimento foi tal que o cântico Vandemataram
inspirou os hinos nacionais da Índia e do Bangladesh independentes (1947)
(ambos os hinos da autoria de Rabindranath Tagore) e todos os periódicos
bengali de grande circulação (eram 4 em língua nativa) abraçaram a causa com
entusiasmo.
O movimento
colapsou com a independência do país e com a divisão entre muçulmanos e hindus,
pouco tendo feito pelo enriquecimento da produção nacional.
Contemporâneo
de Rabindranath Tagore (1861 – 1941) é o Mahatma Gandhi (1861 – 1948). Mahatma,
que quer dizer Grande Alma, regressa da África do Sul onde era advogado e
militante anti-racista e vai operar a maior revolução não armada de todos os
tempos. Com Tagore, integra as elites culturais bengalis. Ambos têm uma sólida
formação na sabedoria ancestral da Índia e na do ocidente, Gandhi jurista,
Tagore educado em Bengala pelos grandes mestres da época e simultaneamente
formado em filologia anglo-saxónica. Ambos profundamente pacifistas, cedo se
vão demarcar da ideologia swadeshi naquilo que ela tem de agressivo e
penalizador da população mais pobre. No entanto, Gandhi elege como vestuário
permanente a túnica de algodão grosseiro e não tingido, o kahdi, de fabrico
local e com a forma de envolvimento do
corpo idêntica à dos solitários e
silenciosos sábios hindus.
Tagore, que
nunca abandona os seus sinais exteriores de aristocrata, é um internacionalista
cultural, um cosmopolita. Identificado com o Nikhil de “A Casa e o mundo”, expõe-nos
a sua aversão intelectual pelo ódio e pela rudeza de comportamento (por
exemplo, Nikhil pergunta a Sandip: “como é que pretendes adorar Deus e ao mesmo
tempo odiar as outras pátrias que são também manifestações de Deus?”). Ficaram
célebres duas afirmações que Tagore proferiu
no discurso de agradecimento do Prémio Nobel (1913): “Todas as glórias da
humanidade são minhas” e “a minha poesia é a resposta da alma ao apelo do
universo”. Noutro texto, cita os Upanishads referindo que “a infinita
personalidade do homem se realiza pela harmonia de todas as raças”. Para
Tagore, negar uma cultura, qualquer que ela seja, é provincianismo. Nikhil
deixa frequentemente implícita ao longo
do texto a mesma convicção.
A “Casa e o
mundo” é, pois, a expressão genial das conflitualidades ideológicas no interior
do nacionalismo, conduzindo o leitor pacificamente para um dos lados. A
hostilidade relativamente ao lado Swadeshi faz-se tornando quase grotesco
Sandip, incapaz de argumentação inteligente, lógica e moral. A argumentação de
Sandip é o contrário absoluto da palavra dos sábios, o seu discurso mobilizador
das massas é uma caricatura da força das
ideias e da capacidade filosófica de questionar. É a personagem, criada por um
filósofo aristocrata, que representa a perversão das ideias que escorrem da
justeza dos teóricos para as massas.
Tagore, como
Gandhi que funda em 1914 o movimento independentista, convoca para todas as
suas artes – poesia, música, drama -, os princípios da identidade indiana:
- o
Satyagraha, princípio de firmeza e constância da verdade;
- a Himsa,
princípio da não violência;
- o Suaraj,
princípio do autodomínio das emoções, por forma a convocar todas as energias
interiores sem o recurso à violência física sobre si ou sobre outrem. Os jejuns
periódicos, a limitação dos consumos e os exercícios de meditação propiciam
essa atitude como forma de vida;
- o Swadeshi, autossuficiência
local, ou seja, o privilegiar do relacionamento e do negócio de proximidade,
por forma a valorizar as relações de vizinhança e a economia regional.
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