E Ega , com as mãos enterradas nos vastos bolsos da peliça, inventariando o gabinete, fazia considerações:
_ O veludo dá seriedade... E o verde-escuro é a cor suprema, é a cor estética...Tem a sua expressão própria, estremece e faz pensar...Gosto deste divã. Móvel de amor.
Foi entrando para a sala dos doentes, devagar, de luneta no olho, estudando os ornatos. Tu és o grandioso Salomão, Carlos! O papel é bonito... E o cretonezinho agrada-me.
Apalpou-o também. Uma begónia manchada da sua ferrugem de prata num vaso de Ruão, interessou-o. Queria saber o preço de tudo; e diante do piano, olhando o livro de música aberto, as «Canções» de Gounot, teve uma surpresa enternecida:
_ Homem, é curioso... Cá me aparece! A «Barcarola»! É deliciosa, hem?...
Dîtes, la jeune belle,
Où voulez-vous aller?
La voile...
_ Estou um bocado rouco... Era a nossa canção na Foz!
Ega não continua... porque está rouco, diz ele, mas talvez houvesse uma razão inconfessada, quase inconsciente, para não o fazer. Eça, não certamente por acaso, escolhe uma canção que prenuncia o carácter passageiro, o modo ligeiro e inconsequente como, no fundo, Ega encara a relação amorosa com Mme Cohen.
À pergunta feita, que Ega cantarola, "la jeune belle" acaba por responder assim:
Menez-moi dit la belle
À la rive fidèle
Où l'on aime toujours;
Mas, hélas! esse lugar de amor fiel e eterno não existe no país do amor (nem no coração de Ega):
Cette rive ma chère,
On ne la connaît guère
Au pays des amours!
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