La Chouette Aveugle_ um romance do autor persa Sadegh Hedayat
E porque
Verba volant, scripta manent
foram estes os textos produzidos a propósito de La Chouette Aveugle
A personagem feminina em “A coruja cega” de Sadegh Hedayat
Por Conceição Rocha
A personagem feminina em “A coruja cega” de Sadegh Hedayat
Tal como é extremamente difícil fazer uma
síntese compreensiva da obra, assim ocorre também com a personagem feminina,
sem nome, multifacetada e desencadeadora dos mais variados e alucinados actos
por parte do protagonista – narrador.
Logo no início ela aparece como uma
espécie de visão ideal. Paira junto de uma fonte, oferece uma flor a um homem
velho que entretanto surge. É etérea, mas inicialmente viva ou concebida como
tal. Esta mulher misteriosa vem uma tarde a casa do narrador, que se maravilha
com os seus magníficos cabelos e vestes negros. No entanto, pouco a pouco
descobre que ela está morta. Enterra-a para que ninguém possa mais olhá-la e
esculpe o seu rosto num vaso de cerâmica, uma cerâmica iraniana conhecida pela
sua beleza.
Este início poético, lírico, deixa-nos
logo adivinhar a complexidade do texto e das personagens, sobretudo aquela que
me cabe descrever: uma mulher apenas perscrutada, numa atmosfera sonâmbula,
muitas vezes angustiante, descrita em diferentes dimensões do tempo. Em
nenhum momento podemos distinguir real e irreal, passado e presente.
Esta mulher-cadáver, objecto de intenso desejo
e amor, que se apresenta aleatoriamente em duas dimensões do tempo, é uma
sombra sonhada, uma galdéria encantadora de homens, artista em drogas e filtros
(referência à mandrágora, por exemplo), mas ao mesmo tempo angélica e pura no
seu enorme erotismo. Fonte de prazer e de sofrimento, de amor e de ódio pelo
narrador, que a ama e a odeia sucessivamente. Identificada com a natureza, ela
é associada às fontes, à água corrente e às flores portadoras de poderes
erógenos (a dedaleira – creio que é a tradução de capoucine).
Ao longo do romance, mulher e narrador são
levados por caminhos ideais, cheios de referências que recordam a poesia
oriental, atravessam campos de violetas, regatos de água perfumada ladeados por
casas de janelas sem vidros. O narrador descreve páginas e páginas de
atmosferas tanto idílicas quanto terríficas, que a mulher percorre quase sempre
passivamente, levada sem vontade própria, movida pelo narrador e por um outro
homem ou talvez por um destino que passo a passo a aproxima do fim e esse fim é
a morte, obsessão do autor desde o início da obra.
Paradoxalmente, uma mulher idealizada nas
suas grandes facetas de virgem e eros, uma mulher que, quase desde o início, é
concebida como morta talvez para que o narrador a possa manipular enquanto
ideia, acaba por ensanguentar completamente e pesar terrivelmente sobre o
peito daquele que a concebeu, amou, odiou mas provavelmente não conseguiu
aprisionar.
Mulher é assim: até incorpórea ela é uma
força. Para que conste.
O tempo e espaço em La Chouette Aveugle
Por António Nabais
“Deus criou o
mundo em Vila Nova de Gaia, numa tarde quente de 1930.”
Ernestina, Rentes de Carvalho
Iraj
Bashiri, estudioso da obra de Hedayat, confessou a alunos a dificuldade do seu
primeiro contacto com a principal obra do autor.
“Li, mas não consegui encontrar um sentido. Fiquei
confuso e quando pensava sobre a obra e não conseguia percebê-la, fiquei
frustrado. Então, pensei que me poderia ter escapado alguma coisa importante na
história, o que me levou a lê-la pela segunda vez: o efeito foi pior. Desde
então, sempre que o li, senti que estava a ser engolido por uma espécie de
turbilhão semântico recorrente, lendo a mesma coisa uma e outra vez.
Finalmente, no entanto, acabei por perceber que não estava a ler a mesma coisa
repetidamente. Gradualmente, as coisas que pareciam iguais à superfície
começaram a ter significados diferentes dependendo das circunstâncias. Contudo,
não tinha uma pista que me permitisse perceber que circunstâncias eram essas.”
Estamos, portanto,
na presença de uma obra complexa cuja compreensão implica o conhecimento do
contexto histórico-cultural em que foi produzida. Sem esse conhecimento que
inclui, entre muitos outros elementos, a simbologia de uma determinada
civilização ou as relações com outros textos, torna-se ainda mais difícil a
interpretação do texto.
Ora, a análise de
categorias narrativas como o tempo e o espaço não fica imune ao
(des)conhecimento desse mesmo contexto. Avancemos, ainda assim, sem medo das
insuficiências de uma primeira leitura pouco informada.
O narrador olha
para o mundo sem grandes preocupações de objectividade, vivendo, sobretudo
encerrado no seu interior (o facto de olhar para fora a partir de uma lucarna
pode significar isso mesmo). O exterior, de qualquer modo, parece não lhe
interessar, o que afecta, necessariamente, a percepção do espaço e do tempo.
No início, parece
haver, ainda, uma tentativa de precisão, como se pode verificar na p. 26. Pouco
mais à frente, na p. 84, o narrador reflecte sobre o tempo, ou melhor, sobre a
percepção e, portanto, sobre o significado do tempo. O individualismo ou o
egocentrismo que caracteriza o narrador leva-o a aproveitar esta reflexão para
se colocar a si mesmo num patamar diferente do dos homens comuns. O narrador
coloca-se fora do tempo, essa categoria que diz respeito apenas aos outros.
Ainda nesta
reflexão, o narrador, para ilustrar o modo como vê o tempo, recorre à descrição
de um espaço imaginado, com características infernais, sendo que o Inferno, mais
do que um espaço, é, afinal, a Eternidade e o Sofrimento, ou seja, um tempo e o
modo como se vive esse tempo.
Mais à frente, na
p. 107, o narrador mostra outra percepção do tempo: tudo se repete e não há
nada de novo. Parece ouvir-se aqui um eco do Eclesiastes: “Não há nada de novo debaixo do sol.” O tempo é,
agora, o do eterno retorno.
O mundo exterior
em si mesmo só existe para narrador como algo em que projecta o seu interior.
Na p. 89, o homem que observa à distância e que descreve pormenorizadamente corresponde
a alguém que aparece na maior parte dos seus pesadelos.
Com o espaço
físico passa-se o mesmo. Se o mundo, no fundo, só existe a partir do interior
do narrador ou no interior do narrador, não interessam tanto as suas
características objectivas, mas o seu significado. Na p. 116, a descrição é
mais impressionista do que realista, mais egocêntrica do que objectiva.
Note-se, a propósito, que o narrador mal se apercebe de que já transpôs a porta
da cidade. Pouco depois, para se referir a um odor, conta-nos que o faz
regressar à infância. O espaço faz, então, regressar outro tempo, como se pode
confirmar na continuação do parágrafo.
O narrador, com
alguma frequência, discorre sobre a literatura e, até, sobre categorias
narrativas. É o que acontece, na p. 143, a propósito do espaço e do tempo,
conceitos inoperantes face ao estado em que o narrador se encontra.
Voltando ao
início, falta muita informação sobre a obra e as suas circunstâncias para que
possa, neste momento, realizar uma análise minimamente satisfatória. De
qualquer modo, penso que é possível concluir que o espaço e o tempo têm, nesta
obra, mais significado do que existência, o que faz sentido numa obra que é
menos narrativa e mais filosófica ou, provavelmente, mais simbólica.
A
Coruja Cega
Por Laleh Estequeki
A Coruja
Cega é uma história que assenta em oposições binárias: temporal/intemporal narratologia
moderna/ narratologia pós-moderna, mitologia teosófica /representação histórica,
monólogo interior/fluxo de consciência.
A Coruja
Cega é a história de um “sem-nome”, um pintor de escritórios que é assaltado por visões horríveis,
pesadelos febris e com uma obsessão existencialista pela morte quando diz: ''
Nós somos os filhos de morte e morte livrai-nos das tentadoras atrações,
fraudulentas de vida..... Ao longo de nossas vidas, o dedo da morte aponta para
nós ".
A
história tem duas partes. Na primeira encontramos uma representação onírica e atemporal dos eventos
em que o narrador é constantemente perseguido pelo fantasma de uma mulher
celestial, a quem mais tarde corta em peçados, e por um velho e sinistro corcunda.
Na
segunda parte, as personagens que apareceram na primeira secção surgem, agora, em imagens distorcidas e nas suas viagens alucinatórias, o narrador
encontra-se em lugares desconhecidos onde encontra pessoas que lhe parecem estranhamente familiares.
Na última secção que inclui o climax da
história, o narrador metamorfoseia-se no
velho corcunda.
E A história termina onde começou:
como se a sombra da coruja se estivesse
confessando no início da história.
Em “A
Coruja Cega, os leitores precisam colocar as diferentes peças de um puzzle no
seu respectivo lugar para perceber o profundo sentido do texto como ele está imperceptivelmente
divido em dois mundos: o real e o etéreo.
Assim, é ao leitor que cabe, no seu processo de leitura ordenar cenas, acções, discursos de um
universo realmente complexo e em alguns pontos incompreensível, para em conjunto
modelar um significado para si mesmo.
A "chave" para a compreensão a
história "A Coruja Cega" de Sadegh Hedayat é "o nacionalismo, o
amor da antiga glória e a tragédia de perdê-la após a invasão árabe".
De
facto, para melhor entender a história, é necessário conhecer as duas eras da
história do Irão: o Irão antes do Islão e o Irão depois Islão. Assim, também a narrativa tem duas partes e aí encontramos
elementos, como a antiga cidade de Rey, o jarro (Raq), a mulher (prostituta ou uma
mulher celestial) ou o velho que correspondem a uma ou a outra dessas eras.
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