sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

A música n' "Os Maias"

Nessa noite,  em S. Carlos, num entreacto dos "Huguenotes", Ega apresentou-o ao senhor conde de Gouvarinho, no corredor das frisas.(...)
Depois o conde abriu a porta da frisa, Ega desapareceu. E daí a um momento, Carlos, apresentado como "vizinho de camarote", recebia da senhora condessa um grande shake-hands, em que tilintaram uma infinidade de aros de prata e de blangles índios sobre a sua luva preta de doze botões.


A ópera "Os Huguenotes" do compositor alemão Giacomo Meyerbeer estreou em Paris em 1836 e tem como tema a relação amorosa entre uma católica e um protestante culminando com a histórica noite de S. Bartolomeu em 1572 em que milhares de Huguenotes franceses foram chacinados pelos católicos num esforço de limpar  a França da influência protestante e terminando  com a morte dos dois amantes.
Ora é precisamente esta ópera que Eça escolhe para servir de pano de fundo ao primeiro encontro entre Carlos e a Condessa de Gouvarinho, ela inglesa, ele católico prenunciando assim, subtil e ironicamente, o fim daqueles amores. 


Um cheio de instrumentos e vozes, de um tom sublime, passando pela porta da frisa entreaberta, cortou-lhe umas últimas palavras sobre a deficiência dos fotógrafos...Escutou com a mão no ar:
- É o »«Coro dos Punhais», não? Ah! Vamos a ouvir...Ouve-se sempre isto com proveito. hà filosofia nesta música... É pena que lembre tão vivamente os tempos da intolerância religiosa, mas ali incontestavelmente filosofia!









segunda-feira, 6 de outubro de 2014

A música n'"Os Maias"


Àquela hora, no adormecimento que ia pesando, sob a luz suave e quente das velas que findavam, havia ali a harmonia e o ar de outro século: e o marquês reclamou do Cruges um minuete, uma gavota, alguma coisa que evocasse Versalhes, Maria Antonieta, o ritmo das belas maneiras e o aroma dos empoados. Cruges deixou morrer sob os dedos a melodia vaga que estava diluindo em suspiros, preparou-se, alargou os braços _ e atacou, com um pedal solene, o «Hino da Carta». O marquês fugiu. 


domingo, 5 de outubro de 2014

A música n'"Os Maias"


Depois falou-se de Gambetta; e como Afonso lhe atribuía uma ditadura próxima, o diplomata tomou misteriosamente o braço de Sequeira , murmurou a palavra suprema com que definia todas  as personalidades superiores, homens de estado, poetas, viajantes ou tenores.
_ É um homem  forte. É um homem eqsessivemente forte!
_ O que ele é , é um ronha! _ exclamou o general, escorropichando o seu cálice.






E todos três deixaram a sala, discutindo ainda a república _ enquanto Cruges continuava ao piano, vagueando por Mendelssohn e por Chopin, depois de ter devorado um prato de croquetes.




Neste excerto e como  sempre acontece, as referências musicais n'"Os Maias" são do século das personagens: no caso, Mendelssohn e Chopin viveram na primeira metade do século XIX.. 

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

A música n'"Os Maias"



Todos os Steinbrokens, de pais a filhos (como ele dissera a Afonso) eram bons barítonos: e isso trouxera à família não poucos proventos sociais. Pela voz cativara seu pai o velho rei Rudolfo III, que o fizera chefe das caudelarias, e o tinha noites inteiras nos seus quartos, ao piano, cantando salmos luteranos, corais escolares, sagas da Dalecarlia - em quanto o taciturno monarca cachimbava e bebia, até que saturado de emoção religiosa, saturado de cerveja preta, tombava do sofá, soluçando e babando-se. Ele mesmo, Steinbroken, levara parte da sua carreira ao piano, já como adido, já como segundo secretário. Feito chefe de missão, absteve-se: foi só quando viu o Figaro celebrar repetidamente as valsas do príncipe Artof, embaixador da Rússia em Paris, e a voz de basso do conde de Baspt, embaixador da Áustria em Londres, que ele, seguindo tão altos exemplos, arriscou, aqui e alem, em soirées mais intimas, algumas melodias filandesas. 


Enfim cantou no Paço. E desde então exerceu com zelo, com formalidades, com praxes, o seu cargo de «barítono plenipotenciário,» como dizia o Ega. Entre homens, e com os reposteiros corridos, Steinbroken não duvidava todavia cantarolar o que ele chamava «cançonetas brejeiras» - o «Amant d' Amanda», ou uma certa balada inglesa:

On the Serpentine,
Oh my Caroline...
Oh!
Este oh! como ele o expelia, gemido, bem puxado, num movimento de batuque, expressivo e todavia digno... Isto entre rapazes e com os reposteiros fechados.
Nessa noite, porém, o marquês, que o conduzia pelo braço à sala do piano, exigia uma daquelas canções da Finlândia, de tanto sentimento e que lhe faziam tão bem à alma...
- Uma que tem umas palavrinhas de que eu gosto, frisk, gluzk... La ra lá, lá, lá!
- «A Primavera», disse o diplomata sorrindo.

L'Amant d'Amanda  cantada por Steinbroken só "entre homens e com os reposteiros corridos",era uma canção de cabaré parisiense que surgiu  pela primeira vez em 1876. É um exemplo da cultura de cabaré deste período, em Paris,  com trocadilhos burlescos, rima assonante e um nonsense algo estranho.


Voyez ce beau garçon-là
C'est l'amant d'A

C'est l'amant d'A
Voyez ce beau garçon-là
C'est l'amant d'Amanda









terça-feira, 30 de setembro de 2014

A música n'"Os Maias"




E Ega , com as mãos enterradas nos vastos bolsos da peliça, inventariando o gabinete, fazia considerações:
_ O veludo dá seriedade... E o verde-escuro é a cor suprema, é a cor estética...Tem a sua expressão própria, estremece e faz pensar...Gosto deste divã. Móvel de amor.
Foi entrando para a sala dos doentes, devagar, de luneta no olho, estudando os ornatos. Tu és o grandioso Salomão, Carlos!  O papel é bonito... E o cretonezinho agrada-me.
Apalpou-o também. Uma begónia manchada da sua ferrugem de prata num vaso de Ruão, interessou-o. Queria saber o preço de tudo; e diante do piano, olhando o livro de música aberto, as «Canções» de Gounot, teve uma surpresa enternecida:
_ Homem, é curioso... Cá me aparece! A «Barcarola»! É deliciosa, hem?...


Dîtes, la jeune belle,
Où voulez-vous aller?
La voile... 

_ Estou um bocado rouco... Era a nossa canção na Foz!



Ega não continua... porque está rouco, diz ele, mas talvez houvesse uma razão inconfessada, quase inconsciente, para não o fazer. Eça, não certamente por acaso, escolhe uma  canção que  prenuncia o carácter passageiro, o modo ligeiro e inconsequente  como, no fundo, Ega encara  a  relação amorosa com Mme Cohen.
À pergunta feita, que Ega cantarola, "la jeune belle" acaba por responder assim:
Menez-moi dit la belle
À la rive fidèle
Où l'on aime toujours;  
Mas, hélas! esse lugar de amor fiel e eterno não existe no país do amor (nem no coração de Ega):
Cette rive ma chère,
On ne la connaît guère
Au pays des amours!



A música n' "Os Maias"





_ Olá! Quem toca por cá? - exclamou o Vilaça, parando nos degraus da escada, ao ouvir em cima um afinar gemente de rabeca.
_ É o Sr. Brown, o inglês, o preceptor do menino...Muito habilidoso, é um regalo ouvi-lo; toca às vezes´`a noite na sala, o senhor juiz de direito acompanha-o na concertina... (...)
 O Teixeira desapertava as correias da maleta; ao fundo do corredor a rabeca atacara o "Carnaval de Veneza".



A escolha de o "Carnaval de Veneza" de Paganini não é, obviamente casual. Eça faz Brown tocar um  tema  popular e conhecido em toda a Europa, um tema alegre e infantil, adequado, portanto, ao perfil dum preceptor de crianças, um tema cuja letra acentua o carácter lúdico da peça ligando-se simultaneamente   às veste carnavalescas de Veneza.
A letra desta peça ainda hoje é cantada pelas crianças europeias:    

O meu chapéu tem três bicos
Tem três bicos o meu chapéu
Se não tivesse três bicos
O chapéu não era meu.

La Chouette Aveugle

La Chouette Aveugle_ um romance  do autor persa Sadegh Hedayat





  1. بوف کور

E porque 

Verba volant, scripta manent 

foram estes os textos produzidos a propósito de La Chouette Aveugle



A personagem feminina em “A coruja cega” de Sadegh Hedayat

Por Conceição Rocha 



A personagem feminina em “A coruja cega” de Sadegh Hedayat


Tal como é extremamente difícil fazer uma síntese compreensiva da obra, assim ocorre também com a personagem feminina, sem nome, multifacetada e desencadeadora dos mais variados e alucinados actos  por parte do protagonista – narrador.
Logo no início ela aparece como uma espécie de visão ideal. Paira junto de uma fonte, oferece uma flor a um homem velho que entretanto surge. É etérea, mas inicialmente viva ou concebida como tal. Esta mulher misteriosa vem uma tarde a casa do narrador, que se maravilha com os seus magníficos cabelos e vestes negros. No entanto, pouco a pouco descobre que ela está morta. Enterra-a para que ninguém possa mais olhá-la e esculpe o seu rosto num vaso de cerâmica, uma cerâmica iraniana conhecida pela sua beleza.

Este início poético, lírico, deixa-nos logo adivinhar a complexidade do texto e das personagens, sobretudo aquela que me cabe descrever: uma mulher apenas perscrutada, numa atmosfera sonâmbula, muitas vezes angustiante, descrita em diferentes dimensões do tempo.  Em nenhum momento podemos distinguir real e irreal, passado e presente.


Esta mulher-cadáver, objecto de intenso desejo e amor, que se apresenta aleatoriamente em duas dimensões do tempo, é uma sombra sonhada, uma galdéria encantadora de homens, artista em drogas e filtros (referência à mandrágora, por exemplo), mas ao mesmo tempo angélica e pura no seu enorme erotismo. Fonte de prazer e de sofrimento, de amor e de ódio pelo narrador, que a ama e a odeia sucessivamente. Identificada com a natureza, ela é associada às fontes, à água corrente e às flores portadoras de poderes erógenos (a dedaleira – creio que é a tradução de capoucine).

Ao longo do romance, mulher e narrador são levados por caminhos ideais, cheios de referências que recordam a poesia oriental, atravessam campos de violetas, regatos de água perfumada ladeados por casas de janelas sem vidros. O narrador descreve páginas e páginas de atmosferas tanto idílicas quanto terríficas, que a mulher percorre quase sempre passivamente, levada sem vontade própria, movida pelo narrador e por um outro homem ou talvez por um destino que passo a passo a aproxima do fim e esse fim é a morte, obsessão do autor desde o início da obra.

Paradoxalmente, uma mulher idealizada nas suas grandes facetas de virgem e eros, uma mulher que, quase desde o início, é concebida como morta talvez para que o narrador a possa manipular enquanto ideia, acaba por  ensanguentar completamente e pesar terrivelmente sobre o peito daquele que a concebeu, amou, odiou mas provavelmente não conseguiu aprisionar.

Mulher é assim: até incorpórea ela é uma força. Para que conste.




O tempo e espaço em La Chouette Aveugle

Por António Nabais

“Deus criou o mundo em Vila Nova de Gaia, numa tarde quente de 1930.”
Ernestina, Rentes de Carvalho

               Iraj Bashiri, estudioso da obra de Hedayat, confessou a alunos a dificuldade do seu primeiro contacto com a principal obra do autor.
              
“Li, mas não consegui encontrar um sentido. Fiquei confuso e quando pensava sobre a obra e não conseguia percebê-la, fiquei frustrado. Então, pensei que me poderia ter escapado alguma coisa importante na história, o que me levou a lê-la pela segunda vez: o efeito foi pior. Desde então, sempre que o li, senti que estava a ser engolido por uma espécie de turbilhão semântico recorrente, lendo a mesma coisa uma e outra vez. Finalmente, no entanto, acabei por perceber que não estava a ler a mesma coisa repetidamente. Gradualmente, as coisas que pareciam iguais à superfície começaram a ter significados diferentes dependendo das circunstâncias. Contudo, não tinha uma pista que me permitisse perceber que circunstâncias eram essas.”










               Estamos, portanto, na presença de uma obra complexa cuja compreensão implica o conhecimento do contexto histórico-cultural em que foi produzida. Sem esse conhecimento que inclui, entre muitos outros elementos, a simbologia de uma determinada civilização ou as relações com outros textos, torna-se ainda mais difícil a interpretação do texto.
               Ora, a análise de categorias narrativas como o tempo e o espaço não fica imune ao (des)conhecimento desse mesmo contexto. Avancemos, ainda assim, sem medo das insuficiências de uma primeira leitura pouco informada.
               O narrador olha para o mundo sem grandes preocupações de objectividade, vivendo, sobretudo encerrado no seu interior (o facto de olhar para fora a partir de uma lucarna pode significar isso mesmo). O exterior, de qualquer modo, parece não lhe interessar, o que afecta, necessariamente, a percepção do espaço e do tempo.
               No início, parece haver, ainda, uma tentativa de precisão, como se pode verificar na p. 26. Pouco mais à frente, na p. 84, o narrador reflecte sobre o tempo, ou melhor, sobre a percepção e, portanto, sobre o significado do tempo. O individualismo ou o egocentrismo que caracteriza o narrador leva-o a aproveitar esta reflexão para se colocar a si mesmo num patamar diferente do dos homens comuns. O narrador coloca-se fora do tempo, essa categoria que diz respeito apenas aos outros.
               Ainda nesta reflexão, o narrador, para ilustrar o modo como vê o tempo, recorre à descrição de um espaço imaginado, com características infernais, sendo que o Inferno, mais do que um espaço, é, afinal, a Eternidade e o Sofrimento, ou seja, um tempo e o modo como se vive esse tempo.
               Mais à frente, na p. 107, o narrador mostra outra percepção do tempo: tudo se repete e não há nada de novo. Parece ouvir-se aqui um eco do Eclesiastes: “Não há nada de novo debaixo do sol.” O tempo é, agora, o do eterno retorno.
               O mundo exterior em si mesmo só existe para narrador como algo em que projecta o seu interior. Na p. 89, o homem que observa à distância e que descreve pormenorizadamente corresponde a alguém que aparece na maior parte dos seus pesadelos.
               Com o espaço físico passa-se o mesmo. Se o mundo, no fundo, só existe a partir do interior do narrador ou no interior do narrador, não interessam tanto as suas características objectivas, mas o seu significado. Na p. 116, a descrição é mais impressionista do que realista, mais egocêntrica do que objectiva. Note-se, a propósito, que o narrador mal se apercebe de que já transpôs a porta da cidade. Pouco depois, para se referir a um odor, conta-nos que o faz regressar à infância. O espaço faz, então, regressar outro tempo, como se pode confirmar na continuação do parágrafo.
               O narrador, com alguma frequência, discorre sobre a literatura e, até, sobre categorias narrativas. É o que acontece, na p. 143, a propósito do espaço e do tempo, conceitos inoperantes face ao estado em que o narrador se encontra.
               Voltando ao início, falta muita informação sobre a obra e as suas circunstâncias para que possa, neste momento, realizar uma análise minimamente satisfatória. De qualquer modo, penso que é possível concluir que o espaço e o tempo têm, nesta obra, mais significado do que existência, o que faz sentido numa obra que é menos narrativa e mais filosófica ou, provavelmente, mais simbólica.





               A Coruja Cega

               Por Laleh Estequeki

A Coruja Cega é uma história que assenta em oposições binárias: temporal/intemporal narratologia moderna/ narratologia pós-moderna, mitologia teosófica /representação histórica, monólogo interior/fluxo de consciência.
A Coruja Cega é a história de um “sem-nome”, um  pintor de escritórios  que é assaltado por visões horríveis, pesadelos febris e com uma obsessão existencialista pela morte quando diz: '' Nós somos os filhos de morte e morte livrai-nos das tentadoras atrações, fraudulentas de vida..... Ao longo de nossas vidas, o dedo da morte aponta para nós ".
A história tem duas partes. Na primeira encontramos uma  representação onírica e atemporal dos eventos em que o narrador é constantemente perseguido pelo fantasma de uma mulher celestial, a quem mais tarde corta em peçados, e por um velho e sinistro  corcunda.
Na segunda parte, as personagens que apareceram na primeira secção surgem, agora,  em imagens distorcidas  e nas suas viagens alucinatórias, o narrador encontra-se em lugares desconhecidos onde encontra  pessoas que lhe parecem estranhamente familiares. Na última secção que inclui o climax  da história,  o narrador metamorfoseia-se no velho corcunda.
E A história termina onde começou: como se a  sombra da coruja se estivesse confessando no início da história.

Em “A Coruja Cega, os leitores precisam colocar as diferentes peças de um puzzle no seu respectivo lugar para perceber o profundo sentido do texto como ele está imperceptivelmente divido em dois mundos: o  real e o etéreo.
 Assim, é ao leitor que cabe,  no seu  processo de leitura  ordenar cenas, acções, discursos de um universo realmente complexo e em alguns pontos incompreensível, para  em conjunto  modelar um significado para si mesmo.

 A "chave" para a compreensão a história "A Coruja Cega" de Sadegh Hedayat é "o nacionalismo, o amor da antiga glória e a tragédia de perdê-la após a invasão árabe".
De facto, para melhor entender a história, é necessário conhecer as duas eras da história do Irão: o Irão antes do Islão e o Irão depois Islão. Assim, também  a narrativa tem duas partes e aí encontramos elementos, como a antiga cidade de Rey, o jarro (Raq), a mulher (prostituta ou uma mulher celestial) ou o velho que correspondem a uma ou a outra dessas eras.







segunda-feira, 26 de maio de 2014

A VIDA E O TEMPO DE MICHAEL K

A VIDA E O TEMPO DE MICHAEL K

J.M.COETZEE

Verba volant, scripta manent

Temas de reflexão para elaboração de um texto escrito de cerca de 300 palavras:



·       A mãe
“E se me permites falar de coisas pessoais – devias ter deixado muito cedo a companhia da tua mãe, que se me afigura como uma verdadeira assassina.” (p.173)

·       Michael K: um homem livre?
“– Eu não estou na guerra!” (p.160)
“Eu fugi dos campos; se ficar quieto e escondido, talvez escape também à caridade dos outros”. (p. 207)

·       A animalização do Michael K:
“…aprendeu a amar a ociosidade (…) que consistia numa entrega de si mesmo ao tempo, a um tempo que se ia escoando com a lentidão do óleo” (p.133)

·       Michael K: a boca, o nome, os calções
“ Concordaria ele com tal operação, se pudesse ser marcada? Ele replicou (cito as palavras):
 – Sou o que sou. Nunca fui grande coisa para as moças” (p.151)
“Disse-me que não se chamava Michaels, mas sim Michael” (p.152)
               “ –Não posso usar a minha roupa?” (p. 87)

·       A guerra
“– Para onde é que nos levam? – O desconhecido olhou para ele e encolheu os ombros.
– Que interessa para onde nos levam?– disse. – Só há dois caminhos. Para um lado e para outro. É próprio dos comboios. (p. 53)

·       O tesouro de Michael
“Mas a mão do desconhecido passou-lhe pelo pescoço e abriu o botão da gola do fato de ganga. O pacote de sementes fez tanto ruído ao ser tirado que K sentiu vergonha de estar a fingir que não ouvia. Por isso, tossiu e mexeu-se. Por instantes, a mão ficou quieta; depois, o homem retirou-se para a escuridão” (201)

·       Noel
– Vai ser preciso um homem de ferro para administrar um campo destes. Eu não sou dessa espécie de homens.
Não pude levantar objecções. Não ser um homem de ferro era a sua maior virtude. (p. 178)

·       O médico
“Na realidade, perdi a única oportunidade que tive, naquela noite em que Michaels se escapou. Devia tê-lo seguido” (p.186)





 

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

HIstória da Minha Vida I _ Giacomo Casanova


À La Civette

"Saímos do Palais Royal pela porta principal e vejo à minha direita muita gente reunida diante duma loja cuja tabuleta era uma civeta.
_ Que é aquilo?
_ Agora é que vos ides rir. Todas estas pessoas estão à espera de comprar tabaco.
_ Então só se vende nesta loja?
_ Vende-se por toda a parte; mas desde há três semanas ninguém quer ter na tabaqueira um tabaco que não seja da Civette.
_ É melhor que os outros?
_ De modo algum; mas desde que a senhora duquesa  de Chartres o pôs em moda só querem este."

                                                       História da Minha Vida I _ Giacomo Casanova






 Fundada em 1716, À La Civette, junto ao  Museu do Louvre, é a mais antiga tabacaria de Paris.
 Louis-Philippe d'Orléans, Casanova, Voltaire, Churchill foram alguns dos seus clientes mais famosos.


 Giovanni Ambrogio Migliavacca

"Eis-me na capital da Áustria pela primeira vez com a bela idade de vinte e oito anos.Tinha alguns bens pessoais mas quase nenhum dinheiro; logo, tinha de fazer economias até ao retorno de uma letra de câmbio que sacara sobre o senhor de Bragadin. Não tinha nenhuma carta, excepto uma do poeta Migliavacca, de Dresden, que me recomendava ao ilustre abade Metastasio, que eu tanto desejava conhecer"
                                                                        História da Minha Vida I _ Giacomo Casanova

Migliavacca


 Giovanni Ambrogio Migliavacca nasceu em Milão em 1718 e, com apenas dezoito anos, fez-se notar no ambiente literário da cidade por ter sido o curador de uma recolha de Applausi Poetici dedicada ao general  A. M. de Noailles. Passou, então, a  fazer parte da elite iluminista da cidade,  ingressando na prestigiada Academia dos Filodossi. Inicialmente hesitante entre a carreira das letras e a diplomacia, optou por esta última, mas com a morte do seu protector, Carlos Alberto da Baviera, em 1745, esta carreira ficou seriamente ameaçada  e Migliavacca decide  regressar às letras, entrando em contacto com o poeta Metastasio que vivia em Viena e de quem passou a ser o secretário. Esta ida para Viena permitiu-lhe contactar com a entourage intelectual de Metastasio, nomeadamente  artistas ligados à ópera e em 1750 escreve o seu primeiro libreto Armida placata, reprsentada em Madrid por ocasião do casamento da Infanta Maria Antónia Fernanda com o príncipe herdeiro da Sardenha. Depois de algumas tentativas e sempre com a ajuda de Metastasio, MIgliavacca torna-se poeta da corte da Saxónia e muda-se para Dresden. Nos primeiros tempos da sua permanência ainda equaciona a oportunidade de se transferir para o serviço do rei de Portugal, mas o sucesso conseguido com a representação de Solimano em1753 (música de Hasse) consolida a sua posição em Dresden e decide ficar. A ópera Solimano foi um espectáculo impressionante pela opulência cénica e do ponto de vista do libreto constitui um exemplo do exotismo iluminado, ponto de referência para todas as turqueries das óperas seguintes, inclusivé do Rapto do Serralho de Mozart. O texto procura construir uma ópera para ver, em que a tónica é posta no aparato de  grandiosas cenas de costumes. Este "drama para música" foi o libreto de Migliavacca mais musicado (houve 32 produções diferentes em vários países europeus com a participação de dezanove compositores num lapso de tempo de pouco menos de cinquenta anos). Em 1760, por ocasião do casamento em Viena  de Isabel de Bourbon-Parma com o futuro imperador José II de Áustria, MIgliavacca escreve Tetide, serenata em dois actos com música de Gluck que se seguiu nos festejos ao drama  Alcide al bivio di Metastasio e Hasse e que, tal como este, também apresenta uma ambiência mitológica povoada de divindades marinhas. As cenas do casamento estão representadas em cinco grandes pinturas no salão das  Cerimónias de Schönbrunn. Numa delas é evocada a representação de Tetide com uma vista sobre os espectadores entre os quais se pode ver Mozart criança, sentado atrás do pai. 







 Ainda em Viena, em 1761, foi levada à cena a ópera Armida sob os auspícios do Conde de  Durazzo que se valeu da redacção de Migliavacca. Com um  libreto  trabalhado  por Quinault e   música de  Traetta, esta Armida é uma primeira tentativa de fusão entre a ópera francesa e ópera italiana como anunciado pelo próprio  Migliavacca no prefácio da segunda edição, uma fusão que, de facto, só terá lugar anos mais tarde pela mão de   Gluck.
 No ano seguinte,  Migliavacca escreve a festa teatral em uma acto Acide e Galatea, que foi musicada por Haydn. Nesse mesmo ano, por ocasião do parto de Isabel de Bourbon-Parma foi representada  a serenata Prometeu Absoluto com música de Wagenseil.





                              





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