quarta-feira, 11 de março de 2015

A música n' Os Maias"

- Quanto ganha você' - exclamou Teles da Gama, assombrado.
Carlos não sabia. No fundo do chapéu já reluzia ouro. Teles contou, com o olho brilhante.
- Você ganha doze libras! - disse ele maravilhado e olhando Carlos com respeito.
Doze libras! Esta soma espalhou-se em redor, num rumor de espanto. Doze libras! Em baixo os amigos de Darque, agitando os chapéus, davam ainda hurras. Mas uma indiferença, um tédio lento, ia pesando outra vez, desconsoladoraamente. Os rapazes vinham-se deixar cair nas cadeiras, bocejando, com um ara exausto. A música, desanimada também, tocava coisas plangentes da «Norma»



quinta-feira, 5 de março de 2015

A música n' Os Maias"


De repente, fora, houve um rebuliço, e vozes sobressaltadas gritando: «Ordem!» Uma senhora, que atravessava com um pequenito, fugiu para dentro do bufete, enfiada. Um polícia passou, correndo.
Era uma desordem!
(...)
Carlos achou-se ao pé do marquês, que exclamava, pálido:
- Isto é incrível! Isto é incrível!
Carlos, pelo contrário, achava pitoresco.
- Qual pitoresco, homem! É uma vergonha, com todos esses estrangeiros!
 No entanto, a massa de gente dispersava, lentamente, obedecendo ao oficial da Guarda, um moço pequenino mas decidido, que, em bicos de pés, aconselhava para os lados, numa voz de orador, «cavalheirismo» e «prudência»... O jóquei de paletó alvadio afastou-se, apoiado ao braço de um amigo, coxeando, com o nariz a pingar sangue: e o comissário desceu para a pista, com um cortejo atrás, triunfante, sem colarinho, arranjando o chapéu achatado numa pasta. A música tocava a marcha do «Profeta», enquanto o desgraçado juiz das corridas, o Mendonça, encostado à tribuna real, com os braços caídos, aparvalhado, balbuciava num resto de assombro:
- Isto só a mim! Isto só a mim!



O »Profeta» é uma ópera em cinco actos de Giacomo Meyerbeer com libreto de Eugène Scribe que estreou em 1849, em Paris, tendo conhecido logo um enorme sucesso. À escolha de um excerto desta ópera não terá sido alheio o enredo, cheio de batalhas e grandes cenas de massas, cenas majestosas que representavam a luta por grandes ideais. Mais uma vez, o cinismo implacável de Eça a sublinhar a alma nacional que  quer ser  civilizada e cosmopolita, mas não passa de arruaceira e pífia, irremediavelmente provinciana, afinal.   

A música n' Os Maias"









Nesse momento alguns dos rapazes mais amadores, dos que traziam binóculos a tiracolo, apressaram o passo para a corda da pista. Dois cavalos passaram num galope sereno, quase juntos, sob as vergastadas estonteadas de dois jóqueis de grandes bigodes. Uma voz erguendo-se disse que tinha ganhado «Escocês». Outros afirmavam que fora «Júpiter». E no silêncio que se fez, de lassidão e desapontamento, ondeou mais viva no ar, lançada pelos flautins da banda, a valsa de «Madame Angot» 



A música n'"Os Maias"

Então o marquês que não o via desde o famoso ataque de intestinos, abandonou o dominó, correu a abraçá-lo ruidosamente- e sem o deixar sequer sentar, nem estender a mão aos outros, implorou-lhe logo uma das suas belas canções finlandesas, uma só, daquelas que lhe faziam tão bem à alma!...
- Só a «Balada», Steinbroken... Eu também não me poso demorar, que tenho aqui a partida à espera. Só a «Balada»!...
Vá, salta lá para dentro para o piano, Cruges...



A música n'"Os Maias"

Vestiu-se, foi a S. Carlos. (...)
Dava-se a «Lúcia» em benefício, com a segunda dama. Os Cohens não tinham vindo-nem o Ega. Muitos camarotes estavam desertos, em toda a tristeza do seu velho papel vermelho. A noite chuviscosa, com um bafo de sudoeste, parecia penetrar ali, derramando seu pesadume, a morna sensação da sua humidade. Nas cadeiras, vazias, hvia uma mulher solitária, vestida de cetim claro; Edgardo e Lúcia desafinavam; o gás dormia, e os arcosb das rabecas, sobre as cordas, pareciam ir adormecendo também
- Isto está lúgubre- disse Carlos ao amigo Cruges que ocupava o escuro da frisa.
Cruges, amodorrado num acesso de spleen, com o cotovelo sobre as costas da cadeira, os dedos por entre a cabeleira, todo ele embrulhado em crepes sobrepostos de melancolia, respondeu, como do fundo de um sepulcro:
- Pesadote.