O TEMPO QUE RESTA (MAIO)
por Orlando Falcão
Nota : todo o texto em itálico é de “Na tua face “ de Vergílio Ferreira
…e então olhei-me no espelho pela primeira vez. Porque eu nunca me olhara mas só o que me enfeitava o que não via. V.F.
Claude Monet, La Pie,
1868, 130X89 cm. Museu D`Orsay, Paris
10 de Maio
Hoje, dia dez de Maio de dois mil e onze, completo cinquenta e cinco anos de vida. 55 anos.
Não posso brincar com os números, como geralmente fazemos: 54 poderiam ser 45, 53 poderiam ser 35… 55 são sempre 55. Não sei se muito se pouco tempo.
Não que ligue à idade, mas sinto o tempo.
Olho-me ao espelho enquanto me barbeio. Quanto mais se vê uma coisa menos se vê. Mas hoje reparo com mais pormenor na forma como o rosto se transforma: mais uma ruga, mais um pequeno sinal, mais uma mancha na pele, as olheiras mais profundas. É principalmente na pele e na alma que sinto o tempo. O cansaço do tempo que passou, mas que de quando em quando me faz voltar a ser menino. Ainda.
Às vezes tempo que passa é-me apresentado de forma mais evidente, palpável: há dias, no barbeiro, reparei que o cabelo que se acumulara no chão, junto da cadeira, já não era preto. Era um pequeno amontoado de fios de prata.
A vida corre como um longo fio de prata em que os pequenos nós bem apertados são, por vezes, difíceis de desfazer.
E também já vou dizendo “no meu tempo”…
Não escolho especialmente os dias para fazer balanços de vida. Mas hoje tenho de escrever este texto. Porque é dia 10 de Maio.
Como todos os jovens, penso eu (ou pensava Mishima quando o escrevia?) achei que deveria ter um destino especial. E diziam-me que tinha um dom.
Sei que, ainda muito novo, olhava com admiração as reproduções de grandes pintores nos livros da “Colecção RTP”. Olhava-as longamente, e tentava relaciona-las com os textos na página oposta.
E comecei a pintar para pintar. Para ser “artista”.