segunda-feira, 6 de outubro de 2014

A música n'"Os Maias"


Àquela hora, no adormecimento que ia pesando, sob a luz suave e quente das velas que findavam, havia ali a harmonia e o ar de outro século: e o marquês reclamou do Cruges um minuete, uma gavota, alguma coisa que evocasse Versalhes, Maria Antonieta, o ritmo das belas maneiras e o aroma dos empoados. Cruges deixou morrer sob os dedos a melodia vaga que estava diluindo em suspiros, preparou-se, alargou os braços _ e atacou, com um pedal solene, o «Hino da Carta». O marquês fugiu. 


domingo, 5 de outubro de 2014

A música n'"Os Maias"


Depois falou-se de Gambetta; e como Afonso lhe atribuía uma ditadura próxima, o diplomata tomou misteriosamente o braço de Sequeira , murmurou a palavra suprema com que definia todas  as personalidades superiores, homens de estado, poetas, viajantes ou tenores.
_ É um homem  forte. É um homem eqsessivemente forte!
_ O que ele é , é um ronha! _ exclamou o general, escorropichando o seu cálice.






E todos três deixaram a sala, discutindo ainda a república _ enquanto Cruges continuava ao piano, vagueando por Mendelssohn e por Chopin, depois de ter devorado um prato de croquetes.




Neste excerto e como  sempre acontece, as referências musicais n'"Os Maias" são do século das personagens: no caso, Mendelssohn e Chopin viveram na primeira metade do século XIX.. 

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

A música n'"Os Maias"



Todos os Steinbrokens, de pais a filhos (como ele dissera a Afonso) eram bons barítonos: e isso trouxera à família não poucos proventos sociais. Pela voz cativara seu pai o velho rei Rudolfo III, que o fizera chefe das caudelarias, e o tinha noites inteiras nos seus quartos, ao piano, cantando salmos luteranos, corais escolares, sagas da Dalecarlia - em quanto o taciturno monarca cachimbava e bebia, até que saturado de emoção religiosa, saturado de cerveja preta, tombava do sofá, soluçando e babando-se. Ele mesmo, Steinbroken, levara parte da sua carreira ao piano, já como adido, já como segundo secretário. Feito chefe de missão, absteve-se: foi só quando viu o Figaro celebrar repetidamente as valsas do príncipe Artof, embaixador da Rússia em Paris, e a voz de basso do conde de Baspt, embaixador da Áustria em Londres, que ele, seguindo tão altos exemplos, arriscou, aqui e alem, em soirées mais intimas, algumas melodias filandesas. 


Enfim cantou no Paço. E desde então exerceu com zelo, com formalidades, com praxes, o seu cargo de «barítono plenipotenciário,» como dizia o Ega. Entre homens, e com os reposteiros corridos, Steinbroken não duvidava todavia cantarolar o que ele chamava «cançonetas brejeiras» - o «Amant d' Amanda», ou uma certa balada inglesa:

On the Serpentine,
Oh my Caroline...
Oh!
Este oh! como ele o expelia, gemido, bem puxado, num movimento de batuque, expressivo e todavia digno... Isto entre rapazes e com os reposteiros fechados.
Nessa noite, porém, o marquês, que o conduzia pelo braço à sala do piano, exigia uma daquelas canções da Finlândia, de tanto sentimento e que lhe faziam tão bem à alma...
- Uma que tem umas palavrinhas de que eu gosto, frisk, gluzk... La ra lá, lá, lá!
- «A Primavera», disse o diplomata sorrindo.

L'Amant d'Amanda  cantada por Steinbroken só "entre homens e com os reposteiros corridos",era uma canção de cabaré parisiense que surgiu  pela primeira vez em 1876. É um exemplo da cultura de cabaré deste período, em Paris,  com trocadilhos burlescos, rima assonante e um nonsense algo estranho.


Voyez ce beau garçon-là
C'est l'amant d'A

C'est l'amant d'A
Voyez ce beau garçon-là
C'est l'amant d'Amanda