Para quem gosta de pombas e de pessoas que gostam de pombas.
por Conceição Rocha
Não resisto à tentação de contar - sem imagens que,
por respeito, não fiz - uma cena que presenciei há dias:
passava eu por aquele pequeno jardim em frente à
Quinta do Paço, praça Guilherme Gomes Fernandes, quando vi duas senhoras que
andariam pelos 70 anos, aí pararem. Uma, abriu um belo saco de milho, a
outra abriu uma caixa, tipo caixa de ferramenta: era uma farmácia portátil. As
pombas atacaram massivamente a saca de milho, é claro. Então, elas
examinavam as pombas e enquanto uma delas ia pegando nas selecionadas uma
a uma, a outra tirava os respetivos chiclets das patinhas, as linhas
emaranhadas, tratava feridas, soprava nas penas a ver se havia mais
alguma coisa, desinfetava e restituía-a ao banquete de milho. Tudo
isto no máximo silêncio e compenetração. Tinha eu já observado
as operações em quatro ou cinco pombas, quando se aproxima o jardineiro da
Câmara que andava a regar com mangueira do outro lado do jardim. No primeiro
momento fiquei preocupada. As câmaras não gostam de pombas. Mas logo me
tranquilizei: cumprimentou as senhoras (provavelmente conhecidas desse ou de
outros jardins) e, deitando um pouco de água da mangueira na concha da mão,
olha para mim (mirone passivo mas ardendo de emoção) e, sorridente, diz: vamos
lá a ver quem tem sede depois do banquete. Com tanto milho, estas até acham que
não há crise!
Entretanto, duas ou três subiram-lhe para o pulso e
começaram a beber, enquanto ele, bem humorado, ia ralhando com uma e outra que,
desajeitada, lhe picava a palma da mão.
Tanta grandeza nestes pequenos gestos.