Clube de Leitura EASR
A Conspiração contra a América, Philip Roth
28 de Julho de 2011
Humor judaico
por Margarida Mouta
”Ria dos seus próprios problemas e nunca lhe faltará matéria para rir”
Provérbio judaico
Na origem do humor que subjaz ao riso está o jogo intelectual, o trabalho sobre a ideia e sobre a palavra, a busca da sintonia na aproximação de sensibilidades e de formas de ver o mundo. Falar em humor pressupõe, pois, perspectivar o conceito no quadro de uma pluralidade de culturas, de vivências, de crenças religiosas…
No que diz respeito ao humor judaico (ou humor dos judeus, se preferirem) existe a convicção de que o humor tem funcionado ao longo dos tempos para o povo judeu como um mecanismo de defesa, nascido da necessidade de protestar, através da ironia, contra a opressão a que estava sujeito. Face à discriminação e às sucessivas migrações que caracterizam a sua história, as sucessivas adaptações à cultura do outro terá levado o povo judeu a querer superar a tragédia com o riso. Fazendo da auto-ironia a sua defesa, os judeus terão desenvolvido, assim, um duplo olhar sobre o mundo, um olhar que engloba, por um lado, o seu ponto de vista e, por outro, o das comunidades que os rodeiam.
Vladimir Jankélévitch, filósofo judeu do século XX, salientou num dos seus textos que o humor “é um
jogo, mas um jogo sério. O humor é a evasão da má consciência pela liberdade; é ele que
pacifica a insolúvel contradição; o humor preservava-nos do desespero quando sofríamos e
agora entretém-nos nessavivacidade que é também um dos traços que distingue a alma judaica."
jogo, mas um jogo sério. O humor é a evasão da má consciência pela liberdade; é ele que
pacifica a insolúvel contradição; o humor preservava-nos do desespero quando sofríamos e
agora entretém-nos nessavivacidade que é também um dos traços que distingue a alma judaica."
Pensando nas formas de humor judaico que chegam até mim através das piadas disseminadas em
livros, filmes e séries da televisão, de imediato o associo à ausência de palhaçada, ao
discurso elaborado, perspicaz e inteligente, caracterizado pelo tom contido, em que a ironia
ou o sarcasmo estão presentes. A reacção que me provoca não é a gargalhada, mas antes um
sorriso melancólico, divertido e respeitoso por quem sabe rir dos seus próprios defeitos.
Porque as piadas dos judeus reflectem sobretudo a sua capacidade de escarnecer das suas próprias particularidades. Como subterfúgio para afirmar a sua identidade, o judeu ri de si mesmo
e dos outros judeus, enfatizando os defeitos intra-muros. Dentro da comunidade, todos são alvos.
Nada nem ninguém escapa. São fustigadas personalidades, instituições (como a família e a
obsessiva omnipresença da “yiddish mama”), tradições e práticas religiosas e até mesmo Deus
surge como figura satirizada. Conjurando-se a existência dos tabus que rodeiam esses temas,
neste contexto muito particular, não existem objectos não risíveis:
- Olá Jacob! Há quanto tempo não te via! Como vai a vida?
- Vai muito mal!
- Porquê Jacob, o que foi que aconteceu?
- A minha mãe morreu na semana passada!
- Não me digas! Os meus sentimentos! O que é que ela tinha?
- Infelizmente, pouca coisa. Uma casa, duas lojinhas no centro da cidade e uma pequena propriedade no interior!